segunda-feira, 30 de abril de 2012
sábado, 28 de abril de 2012
Como estrelas na Terra
Como Estrelas na Terra é um filme indiano. Como estrelas na terra relata, essencialmente, a história de vida de uma criança com dislexia. Retrata, de forma bastante clara e elucidativa, as emoções do disléxico e as reações familiares, assim como as consequências familiares e sociais.
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Este filme é excelente tanto para crianças ou jovens com dislexia, como para os seus pais e educadores. Explica de forma simples o que é dislexia, quais as suas principais características e indica algumas dicas para pais e professores de disléxicos, assim como demonstra o amor incondicional que é fundamental para que estas crianças e jovens sejam bem sucedidos.
Demonstra também o quanto pode ser eficaz o ensino de forma multisensorial, ou seja utilizando todos os sentidos, assim como a utilização da arte como factor motivacional e de crescimento.
Questões sobre a organização do trabalho na escola - Selma Garrido Pimenta
O
objetivo desta discussão é contribuir com supervisores de ensino, diretores de
escola e professores na importante e urgente tarefa de construir um novo fazer
da ação supervisora. Entendemos que este "novo" se volta no sentido
de que a Escola Pública se qualifique cada vez mais na construção coletiva de
seu projeto político-pedagógico, cuja finalidade é formar no aluno o "novo
cidadão".
O
texto parte do entendimento de que os sistemas de ensino existem como
instrumentos que garantem a continuidade da ação educativa sistematizada e de
que, por isso, todas as suas ações têm como meta possibilitar que as escolas
cumpram suas finalidades.
Iniciamos
este trabalho explicitando o entendimento que temos de "novo cidadão"
e como a Escola se coloca diante da exigência de formá-lo. Destacamos, a
seguir, algumas questões sobre a organização do trabalho no seu interior, tais
como o projeto político-pedagógico, o trabalho coletivo, o conhecimento e as
competências pedagógicas.
Por
fim, discutimos algumas dificuldades e' entraves a serem considerados
Finalidade da Educação Escolar - O "Novo
Cidadão"
Formar
o novo cidadão (o cidadão necessário) no aluno significa formá-lo com
capacidade para ter uma inserção social crítica/transformadora na sociedade em
que vive. Ou seja, a sociedade civilizada, fruto e obra do trabalho humano,
cujo elevado progresso evidencia as riquezas que a condição humana pode
desfrutar, revela-se também uma sociedade contraditória, em que grande parte
dos seres humanos está à margem dessa riqueza, dos benefícios do progresso, da
humanização, enfim. Assim, educar na Escola significa ao mesmo tempo preparar
as crianças e os jovens para se elevarem ao nível da civilização atual - da sua
riqueza e dos seus problemas - para aí atuarem. Isto requer uma preparação
científica, técnica e social.
Por
isso, a finalidade da Escola é possibilitar que os alunos adquiram os
conhecimentos da ciência e da tecnologia, desenvolvam as habilidades para
operá-los, revê-los, transformá-los e redirecioná-los em sociedade e as
atitudes sociais - cooperação, solidariedade, ética -, tendo sempre como
horizonte colocar os avanços da civilização a serviço da humanização da
sociedade.
Tarefa
ampla, complexa e nova!, que requer que as escolas, os sistemas de ensino se direcionem,
se organizem, se equipem para isso; revejam sua organização e se organizem de
um modo novo. Esse novo precisa ser construído a partir do já existente,
pelos atores da Educação - os profissionais, os alunos, as famílias.
Para
chegar à explicitação da nova organização é necessário que a Escola traduza
para si, especifique e detalhe os avanços e os problemas da civilização atual -
a riqueza e a miséria: a fome, a falta de moradia, de trabalho, a violência, a
acumulação, a barbárie etc. Quais desafios a problemática da civilização coloca
para a Escola, a fim de que esta forme o novo cidadão? Como a Escola vai
traduzir no seu e pelo seu trabalho essa problemática? Estas são as questões
fundamentais da nova organização do trabalho na Escola.
As escolas, partícipes
da mesma problemática civilizatória, não são, entretanto, iguais. Por isso, não
se trata de encontrar uma única forma nova de organizar o trabalho nela. É importante
não nos embrenharmos por esse risco apriorístico essencialista de chegar-se a um
modelo universal. Isto não dá conta dos novos problemas atuais. A história da Pedagogia
já o demonstrou. No entanto, a história recente também nos mostra que é possível
definirem-se alguns princípios norteadores para essa organização nova, sobre os
quais já há certo consenso entre os educadores estudiosos do tema. São eles: o
projeto político-pedagógico, o trabalho coletivo e o conhecimento da ciência
pedagógica.
O Projeto Político-Pedagógico
O
projeto político-pedagógico resulta da construção coletiva dos atores da
Educação Escolar. Ele é a tradução que a Escola faz de suas finalidades, a
partir das necessidades que lhe estão colocadas, com o pessoal -
professores/alunos/equipe pedagógica/pais – e com os recursos de que dispõe.
Esses
elementos todos são mutáveis, modificam-se de ano para ano, no mesmo ano; de Escola
para Escola, na mesma Escola.
Por
isso, o projeto não está pronto, mas em construção. Nele, a equipe vai
depurando, explicitando, detalhando a inserção dessa Escola na
transformação social.
O projeto político-pedagógico ganha consistência e
solidez à medida que vai captando sistematicamente a realidade na qual se
insere. Daí ser a realização contínua de diagnósticos dessa realidade um
instrumental importantíssimo nessa construção. Diagnóstico aberto, que não se
cristaliza e que não se encerra na constatação da realidade, mas que a
lê e a Interpreta - o que supõe conhecimento/posicionamento teórico/prático da equipe. Esse trabalho com o diagnóstico - os dados - serão definidor/redefinidor do conteúdo/forma do projeto político-pedagógico da Escola.
O Trabalho Coletivo
O
resultado que a Escola pretende - contribuir para o processo de humanização do
aluno-cidadão consciente de si no mundo, capaz de ler e interpretar o mundo no qual está
e nele inserir-se criticamente para transformá-lo - não se consegue pelo trabalho parcelado e
fragmentado da equipe escolar, mas sim com o trabalho coletivo. Neste há a
contribuição de todos no todo e de todos no de cada um. A especialização de um
não é somada à especialização de outro, mas ela colabora com e se nutre da
especialização do outro, visando a e por causa de finalidades comuns.
O trabalho coletivo tem sido apontado por pesquisadores e estudiosos como o caminho
mais profícuo para o alcance das novas finalidades da Educação Escolar, porque a
natureza do trabalho na Escola -que é a produção do humano - é diferente da natureza do
trabalho em geral na produção de outros produtos.
No entanto, reconhece-se,
de um lado, que o trabalho coletivo não é tarefa simples, uma vez que a
Humanidade, durante séculos e séculos em sua história, acostumou-se a formas de
vida individualistas. De outro lado, o coletivo carrega uma contradição que
precisa ser explorada. Forjada no modo de produção capitalista, a cooperação -
inerente ao coletivo - é, conforme HYPOLITO (1991, p. 18), fundamental para que
o trabalho da Escola se realize de acordo com os objetivos "(...) mas esta
realidade é contraditória, pois se a cooperação pode ser um fator de
estabilidade para o poder, ao mesmo tempo a reunião dos trabalhadores coletivos
possibilita uma unidade de interesses e favorece formas de resistência à
dominação".
Complexidade da Organização Escolar
A(s)
escola(s) é(são) múltipla(s), conjuntos, sistemas - o que requer competências administrativas
para traduzir essa complexidade dos sistemas em benefício ao atendimento da
finalidade que a Escola tem. Contudo, a Escola em si é complexa. A -finalidade
que busca não é simples de ser conseguida. Precisa da contribuição de vários profissionais
especializados - professores/equipe pedagógica/direção/coordenação/orientação/equipe
de apoio. A organização da Escola é competência de todos - dentro e fora da
sala de aula.
A sala de aula é determinada pelo que a circunda para além de
suas paredes - e, em certa medida, interfere para além de suas paredes. Como é
durante a aula que se dá a essência da Educação Escolar, é para ela que devem
convergir as várias competências dos profissionais da Escola - o que não
significa que todos atuarão na sala de aula!; o que não significa,
também, que nela só atuam os professores!; o que não significa, também,
que os professores só atuam ali!; nem que as equipes pedagógicas e de
apoio só atuam fora dali!; nem que aí só elas atuam.
Enfim, a
organização da Escola é coletiva - requer o concurso de especialistas que atuem
coletivamente.
A Ciência Pedagógica - Professores e Pedagogos
Com
SUCHODOLSKI (1979, p. 477), afirmamos que "o conhecimento da ciência
pedagógica é imprescindível, não porque esta contenha diretrizes concretas
válidas para hoje e para amanhã; mas porque permite realizar uma autêntica
análise crítica da cultura pedagógica, o que facilita ao professor debruçar-se
sobre as dificuldades concretas que encontra em seu trabalho, bem como
superá-las de maneira criadora".
Entendendo-a
como não-exclusiva de pedagogos, é possível afirmar que é tarefa da equipe pedagógica
trazer a ciência pedagógica para o trabalho coletivo. Entendendo, ainda, que o coletivo
não significa "todos fazerem a mesma coisa", é possível identificar
competências específicas da equipe pedagógica: a administração e a coordenação
pedagógica de curso, período, turmas, áreas, projetos etc. É interessante
observar que, colocadas nesta seqüência, as tarefas de coordenação evidenciam a
possibilidade de algumas delas serem desempenhadas por pedagogos - coordenação
de curso, de períodos - e outras por professores - coordenação de turmas,
período, áreas. Já a coordenação de projetos não é possível ser estabelecida a
priori; ela depende do projeto.
Traduzindo as Competências da Equipe Pedagógica
Retornando às finalidades da Educação Escolar, explicitadas no item Finalidade da Educação Escolar - O "Novo Cidadão", vamos dizer que o eixo central articulador do trabalho coletivo da equipe escolar é traduzir os conhecimentos, as habilidades e as atividades necessários à formação do novo cidadão. Portanto, a consecução do projeto político-pedagógico precisa ser planejada, organizada, explicitando-se contínua e sistematicamente o quê - os conteúdos do trabalho escolar -, o porquê - a quais necessidades se articulam -, como fazer - projetos, cursos etc. -, quem faz - as responsabilidades, as competências -, quando, como etc. É trabalho para muitos.
Vejamos algumas tarefas pelas quais a equipe pedagógica pode ser responsabilizada:
• coordenar e subsidiar a elaboração dos diagnósticos da realidade escolar nos vários
níveis;
• coordenar e subsidiar a elaboração, execução e avaliação do planejamento: plano da
Escola; planos de cursos, de turmas, de ensino etc.;
• incentivar e prover condições para a elaboração de projetos de alfabetização, leitura,
visitas, estudo de apoio, orientação profissional, saúde e higiene, informática, ética etc.;
• compor turmas e horários, com critérios que favoreçam o ensino e a aprendizagem;
• capacitar em serviço;
• fornecer assistência didático-pedagógica constante;
• assegurar horários para reuniões coletivas, planejá-las, coordená-las, avaliá-las etc.;
• definir claramente, quanto às reuniões com pais, em que a presença destes é
importante na construção do projeto político-pedagógico, traduzindo essa participação;
• promover a articulação orgânica das disciplinas;
• acompanhar o rendimento escolar dos alunos;
• prever formas de suprir possível defasagem no rendimento escolar do aluno;
• propiciar trabalho conjunto por áreas, por séries etc., para analisar, discutir, estudar,
atualizar, aperfeiçoar as questões pertinentes às áreas, às séries e ao processo
ensino-aprendizagem;
• promover a integração de professores novos na Escola;
• pesquisar causas de evasão, repetência e outras.
Enfim, há muito o que fazer. Nesta tentativa de traduzir a competência da equipe pedagógica, fica claramente evidenciado o significado de trabalho coletivo na Escola - não é possível trabalhar fragmentadamente o objeto do trabalho da Escola, não dá e não é desejável estabelecer fronteiras claramente delimitadas sobre o que compete a quem, mas dá para identificar claramente que este trabalho precisa de competências específicas.
Dificuldades e Entraves
Sem pretender esgotá-las, é possível apontar algumas dificuldades para a acentuação
coletiva do projeto político-pedagógico da Escola. Identificar as dificuldades não significa
parar nelas, mas mapeá-las para vermos com clareza as formas de superá-las.
Uma primeira dificuldade refere-se à formação dos profissionais da Escola. Amplamente
analisada como precária - e até inexistente -, a formação também tem sido apontada como
insuficiente, porque não formou o novo profissional para construir o novo.
Não se trata de mandar os profissionais de volta para a Faculdade, nem de esperar que
esta se modifique para fazer "o novo". Trata-se de retomar a Faculdade - os
conhecimentos, a formação que trabalhou - e confrontá-la com as necessidades que o novo
coloca. Aí, garimpar o aproveitável, fortalecê-lo e ampliá-lo, por meio da atualização
-cursos, bibliografia, estudos, troca e crítica de experiências etc.
Uma segunda ordem de dificuldades diz respeito ao institucional/cultural - sociedade
competitiva, eivada de autoritarismo, de individualismo.
Como fazer diferente se somos marcados por isso tudo? Parece-me que não somos pura e
simplesmente a reprodução mecânica do que fizeram conosco. Ou somos?
Outra ordem de dificuldades concerne aos aspectos pessoais: as convicções e ideologias
arraigadas e cristalizadas; o mito do sucesso pessoal a qualquer preço; a timidez, a falta
de arrojo e de coragem para empunhar bandeiras e lutar por elas...
Todas essas dificuldades são passíveis de serem superadas. A realidade de nossas escolas
está mostrando que sim. Mas não sem sofrimento e luta.
Referências Bibliográficas
• citadas no texto:
HYPOLITO, Álvaro Moreira. Processo de trabalho na escola: algumas categorias para análise. Teoria e Educação, Porto Alegre: Palmarinca, n, 4,1991. (Dossié interpretando o trabalho docente.)
SUCHODOLSKI, Bogdan. Tratando de pedagogia. 4. ed. Barcelona: Península, 1979.
• não-citadas no texto, mas que o embasam:
MARQUES, Waldernar. O ensino público estadual de 1,2 grau na Grande São Paulo - o ciclo básico em questão. Dissertação (Mestrado) - UNICAMP, 1991.
PIMENTA, Selma Garrido. O pedagogo na escola pública. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1991.
SCHMIED, Kowarzik W. Pedagogia dialética. São Paulo: Brasiliense, 1983.
SILVA JR., Celestino Alves. Escola pública como local de trabalho. São Paulo: Cortez, 1991.
sexta-feira, 27 de abril de 2012
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Modelos Pedagógicos & Modelos epistemológicos (Fernando Becker)
Podemos afirmar que existem três
diferentes formas de representar a relação ensino/aprendizagem escolar ou mais
especificamente, a sala de aula.
Falaremos, inicialmente, de modelos pedagógicos e, na falta de terminologia mais atualizada, ou adequada,
falaremos em pedagogia diretiva, pedagogia não-diretiva e, talvez criando um
novo termo, pedagogia relacional. Mostraremos como tais modelos são, por sua
vez, sustentados, cada um deles, por determinada epistemologia. Epistemologia que se mostrou refratária a
toda exuberante crítica da sociologia da educação que se desenvolveu no país,
do final dos anos 70 até agora.
a)Pedagogia diretiva e seu pressuposto epistemológico
Pensemos no primeiro modelo. Para
configurá-lo é só entrar numa sala de aula: é pouco provável que a gente se
engane. O que encontramos aí? Um
professor que observa seus alunos entrarem na sala, aguardando que se sentem,
que fiquem quietos e silenciosos. As
carteiras estão devidamente enfileiradas e suficientemente afastadas uma da
outra para evitar que os alunos troquem conversas. Se o silêncio e a quietude
não se fizerem logo, o professor gritará para um aluno, xingará outra aluna até
que a palavra seja monopólio seu. Quando isto acontecer, ele começará a dar a
aula.
Como é esta aula? O professor fala e o aluno escuta. O professor dita e o aluno copia. O professor decide o que fazer e o aluno
executa. O professor ensina e o aluno
aprende. Se alguém observasse uma sala
de aula na década de 60 ou de 50, ou, quem sabe, de dois séculos atrás, diria,
provavelmente, a mesma coisa: falaria
como Paulo Freire, no Pedagogia do Oprimido. Por que o professor age
assim? Muitos dirão, porque ele aprendeu
que é assim que se ensina. Para mim, esta resposta é correta, mas não é
suficiente. Então, por que mais? Penso que o professor age assim porque ele
acredita que o conhecimento pode ser
transmitido para o aluno. Ele acredita
no mito da transmissão do conhecimento -
do conhecimento enquanto forma ou estrutura; não só enquanto conteúdo. O professor
acredita, portanto, numa determinada
epistemologia, isto é, numa “explicação”, ou, melhor, crença da gênese e
do desenvolvimento do conhecimento, “explicação” da qual ele não tomou
consciência e que, nem por isso, é menos eficaz. Diz um professor (Becker, 1992): O
conhecimento “se dá à medida que as
coisas vão aparecendo e sendo introduzidas por nós nas crianças...”. Outro professor diz: O conhecimento “é transmitidos, sim; através do meio-ambiente, família, percepções,
tudo”. Outro, ainda: o conhecimento se
dá “na medida em que a pessoa é estimulada, ela é perguntada, ela é incitada,
ela é questionada , ela é, até, obrigada a dar uma resposta...”.
Como se configura esta epistemologia?
Falemos, como na linguagem epistemológica,
em sujeito e objeto. O sujeito é o
elemento conhecedor, o centro do conhecimento.
O objeto é tudo o que o sujeito não é. O que é o não-sujeito? – o mundo
onde ele está mergulhado; isto é, o meio físico e/ou social. Segundo a epistemologia que subjaz à prática
desse professor, o indivíduo, ao nascer, nada tem em termos de conhecimentos: é
uma folha de papel em branco; uma tábula rasa. É assim o sujeito na visão
epistemológica desse professor: uma folha em branco. Então, de onde vem o seu conhecimento
(conteúdo) e a sua capacidade de conhecer (estrutura)? Vem do meio físico e/ou
social. Empirismo é o nome desta explicação da gênese do desenvolvimento do
conhecimento. Sobre tábula rasa,
segundo a qual “não há nada no nosso intelecto que não tenha entrado lá através
dos nossos sentidos”, diz Papper (1991): “Essa idéia não é simplesmente errada,
mas grosseiramente errada...” (p.160). Voltemos
ao professor na sala de aula.
O
professor considera que seu aluno é tábula rasa somente quando ele nasceu como
ser humano, mas frente a um novo conteúdo estocado na sua grade curricular, ou
nas gavetas de sua disciplina. A
atitude, nós a conhecemos. O alfabetizador considera que seu aluno nada sabe em
termos de leitura e escrita e que ele tem que ensinar tudo. Mais adiante, frente à aritmética, o
professor, novamente, vê seu aluno como alguém que nada sabe sobre somas e
subtrações. No segundo grau, numa aula de física, o professor vai tratar seu
aluno como alguém sem nenhum saber sobre espaço, tempo, relação causal. Já na universidade, o professor e matemática
olha para seus alunos, no primeiro dia de aula, e “pensa”: “60% já está reprovado!” Isto porque ele os
concebe, não apenas como folha em branco na matemática que ele vai ensinar,
mas, por causa da sua concepção epistemológica, como estruturalmente incapazes
de assimilar esse saber.
Como se vê, a ação desse professor não é
gratuita. Ela é legitimada, ou fundada
teoricamente, por uma epistemologia.
Segundo esta, o sujeito é totalmente determinado pelo mundo do objeto ou
meio físico e social. Quem representa
este mundo, na sala de aula, é, por excelência, o professor. No seu imaginário, ele, e somente ele, pode
produzir algum novo conhecimento no aluno.
O aluno aprende se, e somente se, o professor ensina. O professor acredita no mito da transferência
do conhecimento: o que ele sabe, não importa o nível de abstração ou de
formalização, pode ser transferido ou transmitido para o aluno. Tudo o que o aluno tem a fazer é submeter-se
à fala do professor: ficar em silêncio, prestar atenção, ficar quieto e
repetir tantas vezes quantas forem
necessárias, escrevendo, lendo, etc... até aderir em sua mente, o que o
professor deu.
Como se vê, esta pedagogia, legitimada
pela epistemologia empirista, configura o próprio quadro da reprodução do
autoritarismo, da coação, da heteronomia, da subserviência, do silêncio, da
morte da crítica, da criatividade, da curiosidade. Nessa sala de aula, nada de novo acontece;
velhas perguntas são respondidas com velhas respostas. A certeza do futuro está na reprodução pura e
simples do passado. A disciplina escolar que tantas vítimas já produziu é exercida
com todo rigor, sem nenhum sentimento de culpa, pois há uma epistemologia, uma
psicologia (da qual não falamos aqui) e uma pedagogia que a legitimam. O aluno, egresso dessa escola, será bem
recebido no mercado de trabalho, pois aprendeu a silenciar, mesmo discordando,
perante a autoridade do professor, a não reivindicar coisa alguma, a
submeter-se e a fazer um mundo de coisas sem sentido, sem reclamar. O produto pedagógico acabado dessa escola é
alguém que renunciou ao direito de pensar e que, portanto, desistiu de sua
cidadania e do direito ao exercício da política no seu mais pleno significado:
qualquer projeto que vise a alguma
transformação social escapa a seu horizonte, pois ele deixou de acreditar que
sua ação seja capaz de qualquer mudança.
O cinismo é seu jargão.
b) Pedagogia não-diretiva e seu pressuposto epistemológico
Pensemos no segundo modelo. Não é fácil detectar sua presença. Ela está mais nas concepções pedagógicas e
epistemológicas do que na prática porque esta é difícil de viabilizar. Pensemos, então, como seria a sala de aula de
acordo com esse modelo. O professor é um
auxiliar do aluno, um facilitador (Carl Rogers). O aluno já traz um saber que ele precisa,
apenas, trazer à consciência, organizar, ou, ainda, rechear de conteúdo. O professor deve interferir o mínimo
possível. Qualquer ação que o aluno
decida fazer é, a priori, boa, instrutiva.
É o regime do laissez-faire: “deixa fazer” que ele encontrará o seu
caminho. O professor deve
policiar-se para interferir o mínimo
possível. Qualquer semelhança com a
“liberdade de mercado” do neo-liberalismo é mais do que coincidência.
O professor não-diretivo acredita que o
aluno aprende por si mesmo. Ele pode, no
máximo auxiliar a aprendizagem do aluno, despertando o conhecimento que já
existe no aluno. Ensinar? Nem pensar! Ensinar prejudica o aluno. Como diz um professor (Becker, 1992):
“Ninguém pode transmitir. É o aluno que
aprende”. Outro professor afirma: “Tu não transmite o conhecimento. Tu oportuniza, propicia, leva a pessoa a
conhecer”. Outro, ainda: “...acho que
ninguém pode ensinar ninguém: pode tentar transmitir, pode tentar mostrar...
acho que a pessoa aprende praticamente por si...”. Que epistemologia sustenta
esta modelo pedagógico?
A epistemologia que fundamenta essa
postura pedagógica é a apriorista. “Apriorismo” vem de a priori, isto é, aquilo
que é posto antes como condição do que vem depois. O que é posto antes? A bagagem hereditária. Esta epistemologia acredita que o ser humano
nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética. Basta um mínimo de exercício para que se
desenvolvam ossos, músculos e nervos e assim a criança passe a postar-se ereta,
engatinhar, caminhar, correr, andar de bicicleta... assim também com o
conhecimento. Está tudo previsto. É suficiente proceder a ações para que tudo
aconteça em termos de conhecimento. A
interferência do meio físico ou social – deve ser reduzida ao mínimo. É só pensar no Emílio de Rousseau ou nas
crianças de Summerhill (Snyders, 1974).
As ações espontâneas farão a criança transitar por fases de
desenvolvimento , cronologicamente fixas, que são chamadas de “estágios” e que
são, freqüentemente, confundidos com os estágios da Epistemologia Genética
piagetiana: nesta, os estágios são, ao contrário, cronologicamente, variáveis. Voltemos ao papel do professor.
O professor, imbuído de uma epistemologia
apriorista – inconsciente, na maioria das vezes – renuncia àquilo que seria a
característica fundamental da ação docente: a intervenção no processo de
aprendizagem do aluno. Ora, o poder que
é exercido sem reservas, com
legitimidade epistemológica no modelo anterior , é aqui escamoteado. Ora, a trama de poder, em qualquer ambiente humano, pode ser disfarçada, mas não
eliminada. Acontece que, na escola, há
limites disciplinares intransponíveis. O
que acontece, então, com o pedagogo não diretivo? Ou ele arranja uma forma mais “subliminar” de
exercer o poder ou ele sucumbe.
Freqüentemente, o poder exercido deste modo assume formas mais perversas
que na forma explícita do modelo anterior.
Assim como no regime da “livre iniciativa”
ou de “liberdade de mercado” o estado aumenta
seu poder para garantir a continuidade e, até, o aumento dos privilégios
da minoria rica utilizando, não a perseguição política, mas a expropriação dos
salários e a desmoralização das instituições representativas dos trabalhadores,
assim também, por mecanismos indiretos exerce-se, por vezes, numa sala de aula
não-diretiva, um poder tão predatório como o da sala de aula diretiva. Por isso, Celma (1979) afirma que os alunos
tinham pavor de sua professora não-diretiva.
Como vimos, uma pedagogia desse tipo não é
gratuita. Ela tem legitimidade teórica:
extrai sua fundamentação da epistemologia apriorista. O professor parece, no entanto, não tomar consciência
disso. Esta mesma epistemologia, que
concebe o ser humano como dotado de um saber “de nascença”, conceberá, também,
dependendo das conveniências, um ser humano desprovido da mesma capacidade, “deficitário”. Este “déficit”, porém, não tem causa externa: sua
origem é hereditária. Onde se detecta
maior incidência de dificuldades ou retardos de aprendizagem? Entre os
miseráveis, o mal-nutridos, os pobres, os marginalizados... Está, aí, a teoria da carência cultural para
garantir a interpretação de que marginalização econômico-social e “déficit”
cognitivo são sinônimos. A criança marginalizada, entregue a si mesma, numa
sala de aula não-diretiva, produzirá, com alta probabilidade, menos, em termos
de conhecimento, que uma criança de classe média ou alta. Trata-se, aqui, de acordo com o apriorismo,
de “deficit” herdado: epistemologicamente legitimado, portanto.
c) Pedagogia relacional e seu pressuposto epistemológico
O professor e os alunos entram na sala de
aula. O professor traz algum material –
algo que, presume, tem significado para os alunos. Propõe que eles explorem este material cuja natureza depende do destinatário:
crianças de pré-escola, de primeiro grau, de segundo grau, universitário, etc.
Esgotada a exploração do material, o professor dirige um determinado número de
perguntas, explorando, sistematicamente, diferentes aspectos problemáticos a
que o material dá lugar. Pode solicitar,
em seguida, que os alunos representem desenhando, pintando, escrevendo, fazendo
cartunismo, teatralizando, etc... o que elaboram. A partir daí, discute-se a direção, a
problemática, o material da(s) próxima(s) aula(s).
Por que o professor age assim? Porque ele
acredita que o aluno só aprenderá alguma coisa, isto é, construirá algum
conhecimento novo, se ele agir e problematizar a sua ação. Em outras palavras,
ele acredita que há duas condições necessárias para que algum conhecimento novo
seja construído: a) que o aluno aja (assimilação) sobre o material que o
professor presume que tenha algo de cognitivamente interessante, ou melhor,
significativo para o aluno; b) que o aluno responda para si mesmo às
perturbações (acomodação) provocadas pela assimilação desse material, ou, que o
aluno se aproprie, neste segundo momento, não mais do material, mas dos
mecanismos íntimos de suas ações sobre este material; este processo far-se-á
por reflexionamento e reflexão (Piaget, 1977), a partir das questões levantadas
pelos próprios alunos e das perguntas levantadas pelo professor, e de todos os
desdobramentos que daí ocorrerem. O
professor não acredita no ensino em seu sentido convencional ou tradicional,
pois não acredita que um conhecimento (conteúdo) e uma condição prévia de
conhecimento (estrutura) possa passar, por força do ensino, da cabeça do
professor para a cabeça do aluno. Não
acredita na tese de que a mente do aluno é tábula rasa, isto é, que o aluno,
frente a um conhecimento novo, seja totalmente ignorante e tenha que aprender
tudo da estaca zero, não importa o estágio do desenvolvimento em que se
encontre. Ele acredita que tudo o que o
aluno construiu até hoje em sua vida serve de patamar para continuar a
construir e que alguma porta abrir-se-á
para o novo conhecimento é só questão de descobri-la; ela a descobre por
construção. “Aprender é proceder a uma síntese indefinidamente renovada entre a
continuidade e a novidade” (Inhelder et al... 1977 p.263): aprendizagem é, por
excelência, construção: ação e tomada de consciência da coordenação das ações,
portanto. Professor e aluno determinam-se mutuamente. Como vemos, a epistemologia deste professor
mostra diferenças fundamentais com relação às anteriores. Como se configura ela?
O professor tem todo um saber construído,
sobretudo numa determinada direção do saber formalizado. Este professor, que
age segundo o modelo pedagógico relacional, professa uma epistemologia também
relacional. Ele concebe a criança (o
adolescente, o adulto) seu aluno, como tendo uma história de conhecimento já
percorrida: a aprendizagem da língua materna é um fenômeno que absolutamente
não pode ser subestimado; eu ousaria dizer que a criança que fala uma língua
tem condições, respeitado o nível de formalização, de aprender qualquer
coisa. Aliás, o ser humano, ao nascer,
não é uma tábula rasa. Antes, ao
contrário, ele traz uma herança biológica que é o oposto da “folha de papel em
branco”. Diz Papper, lembrando que a
afirmação de que “nada há no intelecto que não tenha passado primeiramente
pelos sentidos é grosseiramente errada:” “Basta que nos lembremos dos dez
milhões de neurônios do nosso córtex cerebral, alguns deles (as células
piramidais do córtex) cada um com um total estimado em dez mil sinapses”
(p.160). Para Piaget, mentor por excelência de uma epistemologia relacional,
não se pode exagerar a importância do meio social.
O que ele
rejeita, no entanto, é a crença de que a bagagem hereditária já traz, em si,
programados os instrumentos (estruturas) do conhecimento e segundo a qual
bastaria o processo de maturação para estes instrumentos manifestarem-se em idades
previsíveis, segundo estágios cronologicamente fixos (apriorismo). Rejeita, de outro lado, que a simples pressão do meio social sobre o sujeito
determinaria nele, mecanimente, as estruturas do conhecer (empirismo). Para
Piaget, o conhecimento tem início quando o recém-nascido age assimilando alguma
coisa do meio físico ou social. Este
conteúdo assimilado, ao entrar no mundo do sujeito, provoca, aí, perturbações,
pois traz consigo algo novo para o qual a estrutura assimiladora não tem
instrumento. Urge, então, que o sujeito
refaça seus instrumentos de assimilação em função da novidade. Este refazer do sujeito sobre si mesmo é a
acomodação. É este movimento, esta ação
que refaz o equilibrio perdido: porém, o refaz em outro nível, criando algo
novo no sujeito. Este algo novo fará com
que as próximas assimilações sejam diferentes das anteriores, sejam melhores:
equilibração majorante, isto é, o novo equilíbrio é mais consistente que o
anterior. O sujeito constrói, daí,
construtivismo seu conhecimento em duas dimensões complementares, como conteúdo
e como forma e estrutura: como conteúdo ou como condição prévia de assimilação
de qualquer conteúdo.
No mundo interno (endógeno) do sujeito,
algo novo foi criado. Algo que é síntese
do que existia, antes, como sujeito originariamente, da bagagem hereditária e
do conteúdo que é assimilado do meio social.
O sujeito cria um outro, dentro dele mesmo, que não existia
originariamente. E cria-o por força de
sua ação (assimiladora e acomodadora). A
ação do sujeito, portanto, constitui, correlativamente, o objeto e o próprio
sujeito. Sujeito e objeto não existem
antes da ação do sujeito. A consciência
não existe antes da ação do sujeito.
Porque a consciência é, segundo Piaget, construída pelo próprio sujeito
na medida em que ele se apropria dos mecanismos íntimos de suas ações, ou
melhor dito, da coordenação de suas ações.
Este processo construtivo não tem fim e nem começo absoluto. Ele pode ser aplicado por outro prisma
teórico, também de Piaget. A teoria da
abstração reflexionante, uma teoria explicativa que é mais competente que a
teoria da equilibração para explicar o que acontece ao nível das trocas
simbólicas, ao nível da “manipulação” dos símbolos, das relações sociais e não só ao nível da
manipulação dos objetos do mundo físico com sua gama interminável de aspectos
exploráveis. Deixemos, no entanto, a
teoria da abstração já referida acima para outra ocasião (cf. Becker, 1993).
O professor acredita que seu aluno é capaz
de aprender sempre. Esta capacidade
precisa, no entanto, ser vista sob duas dimensões, entre si
complementares. A estrutura, ou condição
prévia de todo o aprender, que indica a capacidade lógica do aluno e o
conteúdo. Lembremos que para Piaget
(1967) a estrutura é orgânica antes de ser formal. A dinamização ou
dialetização do processo de aprendizagem exige, portanto, dupla atenção do
professor. O professor, além de ensinar, precisa aprender o que seu aluno já
construiu até o momento, condição prévia das aprendizagens futuras. O aluno
precisa aprender o que o professor tem a ensinar (conteúdos da cultura
formalizada, por exemplo); isto desafiará a
intencionalidade de sua consciência (Freire, 1979) ou provocará um
desiquilíbrio (Piaget, 1936:1967) que exigirá do aluno respostas em duas
dimensões complementares: em conteúdo e em estrutura. Para Freire, o professor, além de ensinar,
passa a aprender; e o aluno, além de aprender, passa a ensinar. Nesta relação o professor e alunos avançam no
tempo. As relações de sala de aula, de cristalizadas
com toda a dose de monotonia que as caracteriza – passam a ser fluídas. O professor construirá, a cada dia, a sua
docência, dinamizando seu processo de aprender.
Os alunos construirão, a cada dia, a sua discência, ensinando aos
colegas e ao professor novas coisas. Mas
o que avança mesmo neste processo é a
condição prévia de todo aprender ou de todo o conhecimento, isto é, a
capacidade construída de construir sempre mais e novos conhecimentos.
A tendência, nessa sala de aula, é a de superar,
por um lado, a disciplina policialesca e a figura autoritária do professor que
a representa, e, por outro, a de ultrapassar o dogmatismo do conteúdo. Não se trata de instalar um regímen de anomia
(ausência de regras ou leis de convivência) ou do laissez-faire, nem de
esvaziar o conteúdo curricular: estas coisas são características do segundo
modelo pedagógico com o qual confunde-se, freqüentemente, uma proposta
construtivista. Trata-se, antes, de
criticar radicalmente, a disciplina policialesca e construir uma disciplina
intelectual ou regras de convivência, o que permite criar um ambiente fecundo
de aprendizagem. Trata-se, também, de
recriar cada conhecimento que a humanidade já criou (pois não há outra forma de
entender-se a aprendizagem segundo a psicologia genética piagetiana, só se
aprende o que é (re)criado para si e, sobretudo, de criar conhecimentos novos:
novas respostas para antigas perguntas e novas perguntas refazendo antigas
respostas e, não em última análise, respostas novas para perguntas novas. Trata-se, numa palavra, de construir o mundo
que se quer e não de reproduzir/repetir
o mundo que os antepassados construíram para eles ou herdaram de seus antepassados.
O resultado desta sala de aula é a
construção e a descoberta do novo é a criação de uma atitude de busca e de coragem que esta busca exige.
Esta sala de aula não reproduz o passado pelo passado, mas debruça-se sobre o
passado porque aí se encontra o embrião do futuro. Vive-se intensamente o
presente na medida em que se constrói o futuro buscando no passado sua
fecundação. Dos escombros do passado
delineia-se o horizonte do futuro: origina-se, daí, o significado que dá
plenitude ao presente. Para quem pensa que estou desenhando um mar de rosas,
alerto que para grande número de indivíduos configura-se como extremamente
penoso mexer no passado. Como diz a mãe
de um menino de rua: para que vou lembrar o passado se ele não tem nada de bom?
Aqui, os conceitos, muito próximos entre si, de tomada de consciência de Piaget
e de conscientização de Freire são excepcionalmente fecundos para dialetizar o
processo passado-presente-futuro. A
convicção que a epistemologia genética nos traz é a de que este é o caminho
para jogar-se para o futuro, para adiantar-se aos acontecimentos. Para não andar a reboque da história, mas
para fazer história, para ser sujeito, portanto.
Considerações finais
Em nossas pesquisas, ou em
observações informais, detectamos o seguinte comportamento: professores que
participavam de greve do magistério público estadual ou federal, como
“militantes progressistas”, mostrando compreensão, a nível macro, do que
acontecia na economia e na política, ao retornar à sala de aula (nível micro),
após o término da greve, voltavam a ser
professores plenamente sintonizados com o modelo A. Sua crítica
sociológica, freqüentemente lúcida, exercida, via de regra, segundo parâmetros
marxistas, mostrava-se incapaz de atingir sua ação docente (prática), nem
atingia seu modelo pedagógico (teoria). Por quê?
Não se desmonta um modelo pedagógico
arcaico somente pela crítica sociológica, por mais importante que seja
esta. Segundo nossa hipótese, a
desmontagem de um modelo pedagógico só pode ser realizada completamente pela
crítica epistemológica. Em outras
palavras, a crítica epistemológica é insubstituível para a superação de
práticas pedagógicas fixistas, reprodutivistas, conservadoras, sustentadas
pelas epistemologias empirista ou apriorista.
Note-se que estas epistemologias fundam, por um lado, o positivismo e,
de forma menos fácil, de mostrar o neo-positivismo, e, por outro, o idealismo
ou o racionalismo.
Pensamos, também, que a formação docente
precisa incluir, cada vez mais, a crítica epistemológica. Nossa pesquisa sobre a epistemologia do
professor (Becker, 1992) mostrou o quanto esta crítica está ausente e quanto o
seu primitivismo conserva o professor prisioneiro de epistemologias do senso
comum, tornando-os incapazes de tomar consciência das amarras que aprisionam
seu fazer e seu pensar.
Pudemos experienciar o quanto de
fecundidade teórico-crítica, aliás inesgotável, a epistemologia genética
piagetiana possibilita. O pensamento de
Paulo Freire tem mostrado, em alguns momentos, uma fecundidade similar, em
termos pedagógicos; mas também em termos epistemológicos (cf. Andreola, 1993).
Uma proposta pedagógica, dimensionada,
pelo futuro que vislumbramos, deve ser construída pelo poder constitutivo e
criador da ação humana “é a ação que dá significado as coisas!” Mas não a ação
aprisionada: aprisionada pelo
treinamento, pela monotonia mortífera da repetição, pela predatória imposição
autoritária. Mas, sim a ação que, num primeiro momento realiza os desejos
humanos, suas necessidades e, num segundo momento, apreende simbolicamente o que aprendeu no primeiro
momento: não só assimilação, mas assimilação e acomodação; não só
reflexionamento, mas reflexionamento e reflexão; não só ação de primeiro grau ,
mas ação de primeiro e de segundo graus e de enésimo grau; numa palavra, não só
prática , mas prática e teoria. A
acomodação, a reflexão, as ações de segundo grau e a teoria retroagem sobre a
assimilação, o reflexionamento, as ações de primeiro grau e a prática,
transformando-os. Poder-se-á, assim,
enfrentar o desafio de partir da experiência do educando, recuperando o sentido
do processo pedagógico, isto é, recuperando e (re)constituindo o próprio
sentido do mundo do educando... e do educador.
Uma proposta pedagógica relacional visa a
sugar o mundo do educando para dentro do mundo conceitual do educador. Este mundo conceitual do educador sobre
perturbações, mais ou menos profundas, com a assimilação deste conteúdo
novo. A alternativa é: responder ou
sucumbir. A resposta abre um mundo novo
de criações. A não resposta condena o
professor às velhas fórmulas que descrevemos acima. A condição para que o professor responda,
está, como vimos, numa crítica radical não só de seu modelo pedagógico, mas de
sua concepção epistemológica.
Para enfrentar este desafio, o professor
deveria responder, antes, a seguinte questão: que cidadão ele quer que seu
aluno seja? Um indivíduo subserviente, dócil, cumpridor de ordens sem perguntar
pelo significado das mesmas, ou um indivíduo pensante, crítico, que, perante
cada nova encruzilhada prática ou teórica, pára e reflete, perguntando-se pelo
significado de suas ações futuras e, progressivamente, das ações do coletivo
onde se insere? Esta parece-me, é a pergunta fundamental que permite iniciar o
processo de restauração do significado e da construção de um mundo de significações
futuras.
sábado, 21 de abril de 2012
A banalização da mentira como uma das perversões da sociedade contemporânea e sua internalização como destrutividade psíquica - Angela Caniato
RESUMO
Na contemporaneidade, a mentira constitui um dos principais atributos das relações sociais, instituindo-se como valor eticamente perverso; manifesta-se como ideologia ou é expressa cinicamente como "mentira manifesta"; a lei é a da hipocrisia normatizada entre os sujeitos; revela-se sob as sutilezas enganosas e opressivas da burocracia, em certas justificativas cínicas de segredo ou de sigilo; destrói as manifestações do desejar, sentir, pensar e agir e esvazia o respeito à alteridade dos indivíduos; apresenta-se potencializada pela cumplicidade, mesmo que inconsciente, dos indivíduos, que a reproduzem em vínculos de farsa. O poder de difusão da mentira sustenta-se na banalização da malignidade que atravessa a vida dos homens. A mentira produz e difunde a atribuição de periculosidade a certos grupos e/ou nações – "os terroristas" – para justificar ações bélicas contra povos com fins prioritariamente econômicos.
Palavras-chave: Mentira; indústria cultural; banalização da malignidade; normatização social; destrutividade psíquica.
Presentemente, o dia 01 de abril não tem mais esse glamour, antigamente era uma trapaça inofensiva, uma brincadeira às vezes mais violenta e de mau gosto que permanece, apenas, como ingenuidade na memória daqueles que ainda se esforçam e conseguem viver sob o código da verdade. Na atualidade, ao contrário, todos os dias do ano são dias da mentira, as pessoas estão exageradamente familiarizadas com ela a ponto de poucas quererem saber e viver com a verdade. Esconder a verdade tornou-se forma de exercício de poder, de encobrir, negando, uma sociedade atravessada pela exclusão da maioria: tornou-se ideologia. Tão bem camuflado, esse poderio impregnou a mentalidade coletiva a ponto de muito poucos quererem ouvir o testemunho/interpretação do outro igual que se tornou sem credibilidade – nada lhe teria a dizer, assim como, apenas alguns ousam falar o que pensam por que certamente não encontrariam ouvintes.
Esse mentir encoberto ou escancarado, que vem sendo difundido e apreendido de forma banalizada pela sociedade, impede o contato verdadeiro dos indivíduos consigo mesmos e com o mundo que os rodeia e, em especial, proíbe que os homens possam construir um pensamento reflexivo, ao mesmo tempo que priva os indivíduos entre si de vínculos afetivos/desejantes reais – é violência social.
Essa atração pela infinitude torna-se uma força propulsora contagiante de todos os indivíduos, espraiando-se nas relações entre os homens e mantendo-os absortos sob tal engodo. A eficiência desse esvaziamento libidinoso e dessa regressão narcísica torna-se possível sob a sedução da mercadoria que tem um poder tirânico em sua promessa do gozo nirvanesco (Aidé, 2002). Nesse processo relacional entre os homens e a mercadoria, cria-se a ilusão de aceitação incondicional para ludibriar o seduzido. A sedução não só encobre o ultraje do outro, como escamoteia para esse outro o sentimento de ter sido lesado. Ela é um poderoso mecanismo de atrair para privar o outro do que é dele, principalmente, de lesá-lo sem "sofrimento"; de surrupiar dele o que lhe daria vigor se com ele ficasse – sua força sujeito desejante. O indivíduo sob a sedução deixa de ser autônomo e ilude-se em ser também o outro ao identificar-se, simbioticamente, com aquele que lhe afaga, sob a promessa de possibilitar-lhe prazer pleno (Lucchesi, 2002). Embora lhe reste apenas ser aceito na bajulação, a sedução atinge o auge de seu poder de lesar quando passa a existir o acesso de todos ao mercado, ao reino falacioso das mercadorias – mesmo que seja só nas "lojas de R$ 1,99".
Sob o consumismo, o outro é:
A análise da relação entre subjetividade e cultura que está sendo desenvolvida neste texto está respaldada na abordagem psicopolítica de Theodor Adorno, que articula os elementos constitutivos do psiquismo propostos por Freud, a partir de uma perspectiva dialética de relação de cumplicidade entre o indivíduo e o social. Ao entender que leis distintas regem esses dois níveis da vida dos homens – subjetividade e cultura –, torna-se enriquecedor detectar e analisar os liames que integram essas duas instâncias – psicossocial – do ser humano e verificar nelas as suas interpenetrabilidades, sem desconhecer suas especificidades diferenciadoras. Isso significa dizer não lidar com a subjetividade como se ela fosse uma mônada, nem com a sociedade desconhecendo que ela é construída por sujeitos humanos. A ignorância dessa relação muitas vezes resulta em teorias e práticas que sustentam a onipotência individual e/ou acusam/culpabilizam/patologizam o indivíduo, violentando-o mais ainda, tão a gosto da manutenção das mentiras da sociedade contemporânea. Dizendo de forma mais simples: não psicologizar o social nem sociologizar o psíquico.
Podem-se constatar o clima de suspeição generalizada entre os homens, a exigência de vigilância sobre quem possa burlar essas normas (Abeche, 2003; Caniato & Nascimento, 2006) e a expectativa de poder morrer se for tido como terrorista (Chomsky, 2002). O embuste na sociedade transforma-se na criminalização dos homens (M. F. Castro, 2004 [comunicação pessoal] 21 de abril de 2004; Ciombra, 2001) que estão vivendo/sofrendo na contemporaneidade por, além de pobres e excluídos, serem identificados sob a estereotipia de perigosos. Quem os respeita? Por quem podem ser acreditáveis? Será que só lhes resta o caminho da contravenção das drogas e do crime? Onde buscar vínculos confiáveis que lhes possam prover referenciais de autoridade para lhes garantir uma direção segura (modelo identificatório de ego ideal)? Será que ainda não existem condições objetivas que permitam aos indivíduos chegar a uma clareza de pensamento tal que lhes aponte para onde precisam conduzir as suas vidas e assim poderem se organizar a fim de reverter esse quadro de mórbida passividade? Permanecem cada um e todos nos porões obscuros e regredidos dessa violência cruel internalizada que funciona como impedimento/proibição de testemunhar no diálogo com o outro a sua potência para elevar-se a um pensamento crítico conduzente e a atitudes sujeito-emancipatórias (Adorno, 1995). Muito ao contrário, expostos e fragilizados sob esse caótico espaço cultural, a fragmentação coletiva construída é a da apatia e do conformismo (Chauí, 1993; Martín-Baró, 1987), sob o qual os indivíduos se tornam cúmplices em uma solidão mórbida e, apenas, vinculados pelo ódio e/ou pelo "prazer em lamber as próprias feridas".
Talvez alguns poucos ainda creiam que as guerras acontecem, principalmente, por motivos políticos e religiosos. Modernamente, andam querendo nos convencer de que os "bem intencionados protetores da humanidade" envolvem-se em guerras para extirpar a ação maligna do terrorismo internacional. Muitos, porém, não ignoram que o carro chefe das guerras é o poder econômico, já que ela é uma rendosa forma de produzir dinheiro – primeira fonte de riqueza do mundo atual –, quer seja para refinar os investimentos no aprimoramento da tecnologia militar, quer seja para a venda de armas, ou até mesmo para sustentar as missões de socorro às populações vitimadas ou no pós-guerra, ou para a reconstrução das cidades destruídas (Chomsky, 2002; Pagman et al., 2003; Pilger, 2004; Polo, 2004).
Como recuperar a capacidade dos homens de discernir erros de acertos se esses atributos morais perderam socialmente suas diferenciações intrínsecas e se, cada vez mais, a impunidade alastra-se na sociedade, referendando essa equalização (Caniato, 1999)? Como fazer com que os homens confiem na solidariedade de seus parceiros e se desvencilhem da violência e da desconfiança que penetrou na relação entre eles? Como os homens conseguirão recuperar a integridade de suas potencialidades psicossociais que lhes permita assumir suas funções de sujeitos da cultura?
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Na contemporaneidade, a mentira constitui um dos principais atributos das relações sociais, instituindo-se como valor eticamente perverso; manifesta-se como ideologia ou é expressa cinicamente como "mentira manifesta"; a lei é a da hipocrisia normatizada entre os sujeitos; revela-se sob as sutilezas enganosas e opressivas da burocracia, em certas justificativas cínicas de segredo ou de sigilo; destrói as manifestações do desejar, sentir, pensar e agir e esvazia o respeito à alteridade dos indivíduos; apresenta-se potencializada pela cumplicidade, mesmo que inconsciente, dos indivíduos, que a reproduzem em vínculos de farsa. O poder de difusão da mentira sustenta-se na banalização da malignidade que atravessa a vida dos homens. A mentira produz e difunde a atribuição de periculosidade a certos grupos e/ou nações – "os terroristas" – para justificar ações bélicas contra povos com fins prioritariamente econômicos.
Palavras-chave: Mentira; indústria cultural; banalização da malignidade; normatização social; destrutividade psíquica.
Os Interesses da Sociedade mudam o Significado dos Episódios Culturais
Há duas gerações, crianças, adolescentes e adultos aguardavam com expectativa e regozijo a chegada do dia 01 de abril – Dia da Mentira – consagrado como tal desde o Século XIII ou XVI (Teixeira, 2002; Universidade Federal de Goiás [UFG], 2004). Era o dia da "brincadeira de enganar o bobo", que, apesar de certo grau de maledicência, trazia consigo o lúdico e a desculpa pelo constrangimento causado ao outro. Nesse dia era permitido trapacear com os amigos, deixá-los assustados e perplexos com notícias picantes, desastrosas e/ou de bons augúrios a fim de vê-los apavorados e/ou hilariantes e nos deliciarmos com seus desconforto e sofrimento, seus tormentos, suas euforias descabidas, deixando-os totalmente vulnerabilizados e impotentes. Eles eram ingenuamente apanhados de surpresa para serem burlados. Eram trapaças contadas como se verdades fossem, para serem logo desmentidas pelo falseador, que se divertia com a credibilidade dada pelo outro à sua mentira. A maledicência mentirosa contra o outro tinha dia permitido para acontecer porque a mentira era condenada socialmente. O mentiroso contumaz perdia a credibilidade dos demais: a mentira era punida e a verdade premiada.
Presentemente, o dia 01 de abril não tem mais esse glamour, antigamente era uma trapaça inofensiva, uma brincadeira às vezes mais violenta e de mau gosto que permanece, apenas, como ingenuidade na memória daqueles que ainda se esforçam e conseguem viver sob o código da verdade. Na atualidade, ao contrário, todos os dias do ano são dias da mentira, as pessoas estão exageradamente familiarizadas com ela a ponto de poucas quererem saber e viver com a verdade. Esconder a verdade tornou-se forma de exercício de poder, de encobrir, negando, uma sociedade atravessada pela exclusão da maioria: tornou-se ideologia. Tão bem camuflado, esse poderio impregnou a mentalidade coletiva a ponto de muito poucos quererem ouvir o testemunho/interpretação do outro igual que se tornou sem credibilidade – nada lhe teria a dizer, assim como, apenas alguns ousam falar o que pensam por que certamente não encontrariam ouvintes.
De fato os indivíduos estão discriminando e podendo falar/ouvir o que fizeram ou presenciaram? É-lhes permitido saber o que está ocorrendo em seu entorno, consigo e com os demais homens? O que está acontecendo nessa parafernália de medo de ser verdadeiro, de ser-si-próprio e de conviver na troca e no conflito criador com a diferença do ser-do-outro, com a sua alteridade? Por que a maioria está equalizada/padronizada sob o signo do esconder-se, do enganar e da evitação do contato com a realidade – o mundo do "tô fora"? De fato os indivíduos estão discriminando e podendo falar/ouvir o que fizeram ou presenciaram? É-lhes permitido saber do que está ocorrendo em seu entorno, consigo e com os demais homens?
Esse mentir encoberto ou escancarado, que vem sendo difundido e apreendido de forma banalizada pela sociedade, impede o contato verdadeiro dos indivíduos consigo mesmos e com o mundo que os rodeia e, em especial, proíbe que os homens possam construir um pensamento reflexivo, ao mesmo tempo que priva os indivíduos entre si de vínculos afetivos/desejantes reais – é violência social.
As Relações entre os Indivíduos na Cultura do Enganar
A verdade parece assustar a quem pudesse assim falar porque a punição culpabilizante de um denunciador real ou fictício o apavora e não faltam sanções sociais para aqueles que ousam dizer o que desejam, sentem e pensam. Ao contrário, a mentira se impõe como um código de conduta, não dito como tal, mas existente de fato na comunicação social, trazendo em seu bojo, por medo ou por alienação, a plena aceitação pelos indivíduos da lógica da hipocrisia, do fingimento e da extorsão do outro. A força do estar escondido, mas cúmplice atuante, propicia a ampla difusão dessa norma de convivência, mesmo porque internalizada inconscientemente por uns , admitida sob coação por outros ou cinicamente consentida por muitos que dela se aproveitam para "levar vantagem em tudo". O poder de infiltração da mentira no âmago da vida dos indivíduos e em suas relações em sociedade, quando transformada em justicativa socialmente aceita, dá a permissão que um lese o outro sem culpa. Não existe mais a reparação do dano causado a alguém e nem pensar em exigência de retratação pública, se até a palavra desculpa, mesmo que dita falsamente, já caiu em desuso. Há um quase consenso e uma cumplicidade difusa na arte de esconder essa violência simbólica na qual a ofensa e o ludibriar passam a existir até com quem outrora fora amigo. Na mentira, a gratidão e a confiabilidade se perderam como expressão da troca entre os indivíduos. Muitas vezes é o seguro de vida ou o de um bem material que vem substituir as formas de reparar os danos causados a alguém porque ele paga monetariamente os prejuízos causados a outrem.
A fraude disseminou-se como norma social e a dissimulação, o enganar, o ser-impostor articulam a aceitação entre os farsantes, que passam a viver na lógica da adulação astuciosa, conduzente à conquista de benefícios oportunistas sob os quais é difícil de alguém escapar: todos se tornam condescendentes com tudo, indiferenciadamente, vivendo sob a hipocrisia. Não existe preocupação ou exigência de busca de discriminação entre mentira e verdade pois o ser verdadeiro vem saindo do cenário da vida entre os homens. O falsário não se constrange em apontar em si uma virtude que na prática cotidiana ele não exibe. Tudo passa a ser aceito sem julgamento nem hierarquia de valor.
A Moral do Consumo Substituiu a Ética de Valores Humanizadores
Os indivíduos vivem sob a sedução violentadora e entorpecedora (Lucchesi, 2002) de palavras mentirosas que anestesiam a reflexão crítica, isto é, eles são jogados na onipotência e na ubiqüidade regressivas como se heróis fossem (Caniato, 2000, 2003). Assim atuam porque têm a permissão social para trapacear impunemente o outro e, em nome do lucro, são conduzidos a enganar e a se permitirem ser enganados como aliados fiéis do fraudar o outro e ser enovelados na farsa de si mesmos (Caniato, 1999a). A lei que orienta a vida na sociedade do consumo é a de "enganar o bobo", a qual acaba se tornando uma forma de sobrevivência eivada da violência do desprezo que essa prática contém e que se infiltra nas relações entre os homens, gerando uma cultura na qual prevalece acrueldade disseminada em todas as instituições culturais (Ulloa, 2001a, 2001b).
Nem sempre é possível para os indivíduos identificarem corretamente essa violência como gerada socialmente, mas seus efeitos são vividos por eles que passam a identificá-la como se originária no âmago de seu mundo interno. Essas violências produzidas socialmente são internalizadas e amalgamam-se às estruturas inconscientes dos sujeitos como se fossem próprias à sua agressividade. Dessa forma exercem sua ação destrutiva, agregando-se à consciência moral dos indivíduos como auto-punição (sentimento de culpabilidade) (Freud, 1981). Esse rigor da consciência moral está ele próprio fundado em uma mentira, isto é, em uma inversão ideológica internalizada, que se assenta na culpabilização social, a qual é impingida aos indivíduos desde fora e sob o impacto da impossibilidade de que possam reagir pela ação da mais-repressão que a sociedade impõe às suas agressividades protetoras. Esses mecanismos imobilizam os indivíduos para movimentos de mudança individual e de resistência ao coletivo mentiroso, tornado assim opressor. Transformados em "máscaras mortuárias" (Adorno, 1986a), eles restam paralisados e a possibilidade da solidariedade inexiste, pois a contaminação pelo estereótipo de portadores de malignidade atinge a todos. Os vínculos entre os indivíduos tornam-se perversos, não havendo lugar para o acolhimento nem para a culpa reparatória, porquanto esta exigiria o reconhecimento da importância do outro para mim e a discriminação correta de onde se origina a agressão. A desconfiança conduz a generalizações perversas: todos não são confiáveis.
Estamos vivendo, talvez, preferencialmente, no reino da estranheza e da impossibilidade do aconchego. A disposição psíquica para o acolhimento está sob cerceamento e os vínculos entre os indivíduos estão atravessados por reiteradas separações mutilantes do tipo "ficar com" (Caniato & Castro, 2002), muitas vezes identificadas positivamente como independência (ou melhor dito, indiferença). O vínculo continuado vem sendo substituído pelo sofrimento da solidão individualista. O hedonismo prolifera na saturação de prazeres consumistas e cada um, vazio internamente, somente se esfrega no vazio do outro, ambos farsantes do humano (Lipowetsky, 1983). A perda de confiabilidade de um no outro joga todos nessa cultura hedonista, que deixa em cada um a mórbida solidão narcísica (Green, 1988) em um mundo cercado por todos os lados de apelos para as luxurias dos "prazeres consumistas" (Mariotti, 2000). A ilusão da completude cria a utopia do viver sem limites, e a farsa de não dever/poder viver a frustração potencializa a onipotência, que a mentira produz, de caminhar por uma trajetória de expectativas contínuas de satisfação que nunca se realizam (Bauman, 1999). Nem o corpo é poupado e talvez seja nele que a farsa da bioascese se concretize (Ortega, 2002) quando passa a ser usado em rituais coletivos de escarificação ou de suspensão de caráter sadomasoquista. Vã tentativa "bioquímica" de obter prazer na dor (Vieira, 2003), ou melhor, em mais uma busca insana da presentificação do nirvana.
Essa atração pela infinitude torna-se uma força propulsora contagiante de todos os indivíduos, espraiando-se nas relações entre os homens e mantendo-os absortos sob tal engodo. A eficiência desse esvaziamento libidinoso e dessa regressão narcísica torna-se possível sob a sedução da mercadoria que tem um poder tirânico em sua promessa do gozo nirvanesco (Aidé, 2002). Nesse processo relacional entre os homens e a mercadoria, cria-se a ilusão de aceitação incondicional para ludibriar o seduzido. A sedução não só encobre o ultraje do outro, como escamoteia para esse outro o sentimento de ter sido lesado. Ela é um poderoso mecanismo de atrair para privar o outro do que é dele, principalmente, de lesá-lo sem "sofrimento"; de surrupiar dele o que lhe daria vigor se com ele ficasse – sua força sujeito desejante. O indivíduo sob a sedução deixa de ser autônomo e ilude-se em ser também o outro ao identificar-se, simbioticamente, com aquele que lhe afaga, sob a promessa de possibilitar-lhe prazer pleno (Lucchesi, 2002). Embora lhe reste apenas ser aceito na bajulação, a sedução atinge o auge de seu poder de lesar quando passa a existir o acesso de todos ao mercado, ao reino falacioso das mercadorias – mesmo que seja só nas "lojas de R$ 1,99".
Sob o consumismo, o outro é:
tomado por imbecil e serve de expressão ao desrespeito. Entre os pérfidos indivíduos práticos de hoje, a mentira há muito perdeu a sua função de iludir acerca do real. Ninguém acredita em ninguém, todos sabem disto. Só mentimos para dar a entender ao outro que nele nada nos importa, que não temos necessidade dele, que nos é indiferente o que ele pensa de nós. A mentira, antigamente um meio liberal de comunicação, tornou-se hoje uma técnica de descaramento com cujo auxílio cada indivíduo espalha em seu redor a frieza sob cuja proteção ele pode prosperar(Adorno, 1993).
A difusão dessa mentira entre os indivíduos se deve a sua atraência altamente sedutora, que garantiria a cada um a ilusão de uma certa onipotência justamente porque atua no nível da produção inconsciente de falsos desejos. Doce ilusão! A captura consumista dos desejos humanos é uma poderosa estratégia de dominação a que os indivíduos se deixam entregar sem oferecer resistência ao invasor. Ao contrário de uma autonomia verdadeira, ela gera e mantém os indivíduos amalgamados entre si sob o comando da mercadoria e do engodo de serem os melhores. A sedução mercadológica atua como um poderoso fomentador dessa mentira e impede que a verdade da falácia ou da privação possa se tornar o guia de resistências sociais. A sociedade precisa se manter sob a lei do lucro e é necessário escamotear a verdade do acesso seletivo/excludente, de fato, aos bens produzidos socialmente. Mais ainda, não pode sequer ser vislumbrada a substituição destrutiva dos objetos do desejo humano pela presença/ausência dos objetos de consumo que resplandecem lambuzados de perfídia edulcorada (Caniato, 2003). Aliás, como diz Lucchesi (2002):
a palavra sedução vem do latim seducere (se[d] +ducere), sendo que sed significa 'separação', 'afastamento', 'privação' e ducere queria dizer 'levar', 'guiar', 'atrair'. Em síntese, portanto, 'seduzir' era o processo pelo qual se atrai para privar o outro da autonomia de si, sob a promessa de possibilitar-lhe a experiência do prazer pleno. (p. 1).
As mentiras, na contemporaneidade, são poderosas estratégias usadas de forma mais ou menos intencional pela sociedade da mercadoria para poder vender os seus produtos. Eles são apresentados de forma sedutora –glamourizada – sob a promessa de prazer sem limites, para despertar a cobiça de compra, mas com o cuidado de ocultar as intenções de logro dos que devem ser capturados como consumidores vorazes. A mídia tornou-se o principal orquestrador dessa máquina com a tarefa de representar, junto às populações, os poderes instituídos pela lógica da mercadoria. Ela exerce a grande função "educativa" de construir mentalidades que sustentem essestatus quo, isto é, cria e difunde massivamente os modelos identificatórios exigidos pela organização social. Sem nenhum pudor, seus agentes transformam os indivíduos em consumidores por excelência, tornando-se os porta-vozes dessa mentira esvaziadora do ser pessoa. Esse poderoso instrumento de manipulação social é nomeado por Adorno (1995) como indústria cultural, tendo na ideologia o seu suporte de eficiência. Isto porque, como diz Cohn (1986):
A ideologia além de ser um processo formador da consciência e não apenas instalado nela, opera no nível do inconsciente no sentido forte do termo: ela não apenas oculta os dados da realidade mas os reprime, deixando-os sempre prontos a retornar à consciência, ainda que de novo sob formas ideológicas. Nessas condições, o desenvolvimento da consciência pelo contato reflexivo com a realidade é um processo doloroso, como o é a própria civilização na concepção freudiana. Trata-se de um processo difícil de ser suportado por pessoas cuja estrutura de personalidade foi moldada para reproduzir a heteronomia e fugir do esforço de defrontar-se com a diferença e o novo. (p. 17, grifos nossos).
Além do mais, sob o esconderijo da ideologia, as informações são omitidas, insuficientes ou truncadas; portanto a atividade relacional da consciência de apreensão sensitiva-perceptiva-intelectual não pode se efetuar, e a representação simbólica do objeto é feita de forma deformada. Essa privação de informação que integra a mentira é, para Nilo Odália (1983), a fundamental característica da violência.
Chegamos, portanto, ao ponto crucial para a compreensão da relação cultura e subjetividade, pois é a indústria cultural que mediatiza essa relação e, em especial, o faz por meio dos modelos identificatórios por ela produzidos, portadores das representações ideológicas internalizadas pelos indivíduos. A indústria cultural é uma fábrica intencional e perversa de mentira integrada à sua dimensão ideológica que contém o falseamento da realidade objetiva com a intenção de produzir individualidades modeladas para a sustentação do status quo. Enganosa e destrutiva, porque encobre o foco da verdade, retirando do indivíduo a possibilidade de captura, pela consciência, do real existente quando escamoteia e omite dados objetivos.
A capacidade de discernimento, julgamento e decisão da consciência humana é afastada do foco de apreensão dos objetos, ficando inativa, deixando os indivíduos expostos à manipulação social. O vínculo entre o indivíduo e a cultura, mediatizado pela ideologia, põe em contato direto o inconsciente com a irracionalidade da ideologia, driblando a consciência e seus componentes cognitivos-racionais, conseqüentemente, mantendo os indivíduos sob funcionamento mental regressivo. A mídia é o principal instrumento da indústria cultural, que, com seu grande poder de difusão e o uso massivo da sedução, torna assimilável por todos o poder violentador da ideologia, isto é, sua força produtora da padronização de todos, vinculados simbiótica e indifenciadamente entre si (Caniato, 1999b).
A capacidade de discernimento, julgamento e decisão da consciência humana é afastada do foco de apreensão dos objetos, ficando inativa, deixando os indivíduos expostos à manipulação social. O vínculo entre o indivíduo e a cultura, mediatizado pela ideologia, põe em contato direto o inconsciente com a irracionalidade da ideologia, driblando a consciência e seus componentes cognitivos-racionais, conseqüentemente, mantendo os indivíduos sob funcionamento mental regressivo. A mídia é o principal instrumento da indústria cultural, que, com seu grande poder de difusão e o uso massivo da sedução, torna assimilável por todos o poder violentador da ideologia, isto é, sua força produtora da padronização de todos, vinculados simbiótica e indifenciadamente entre si (Caniato, 1999b).
Sabemos que esse mecanismo de internalização inconsciente dos modelos identificatórios propostos socialmente produz uma espécie de fusão simbiótica entre os indivíduos, mas que lhes dá a sensação de que suas formas de ser são autóctones, de cada um, mesmo quando se vêem refletidos nesse "espelho" narcisicamente nefasto. São naturalizadas as formas de desejar, sentir, pensar e agir, porque imbricadas no "estilo de vida", que,entretanto, é produzido socialmente para a manipulação. O mais agravante é que esses modelos identificatórios internalizados transitam livremente como verdades para os indivíduos e nas relações entre eles. Não se tornam detectáveis conscientemente os processos de identificação projetiva e introjetiva que produzem a não-diferenciação entre os indivíduos: o suposto "indivíduo rei" do individualismo contemporâneo é ele mesmo uma farsa, uma mentira, um "pseudo-indivíduo" na designação de Theodor Adorno.
A (Des)Construção Subjetiva sob a Saraivada de Relações Enganosas
Destarte, mais ou menos manifestas, as mentiras vêm sendo internalizadas e sustentadas pelos indivíduos que assim se tornam cúmplices dos desvarios que atravessam o dia-a-dia da vida em sociedade. A pseudo-verdade difundida é acolhida no âmbito da irracionalidade mental e dos afetos contaminados pela indiferenciação/inversãoque o mundo atual impõe aos sentimentos relacionais e à angústia dos indivíduos (Maia, 2001). A captura social da afetividade dos indivíduos é uma poderosa estratégia manipulativa (Arendt, 2002), intencionalmente produzida para gerar confusões conceituais, que vêm a se articular de forma complacente com as consciências já deterioradas regressivamente.
Há de se considerar que uma das expressões da mentira manifesta-se como omissão/falseamento de informação que atinge de forma prejudicial a capacidade de representação da consciência humana. Não é possível haver uma apreensão real e verdadeira de determinado objeto se não estiverem expostos ao exame sensório-perceptivo-intelectual todos os elementos que o integram. Sob o esconderijo da ideologia da indústria cultural, isso não ocorre, visto que as informações são omitidas, insuficientes ou truncadas, portanto a atividade relacional da apreensão perceptivo-intelectual não se efetua e a representação simbólica do objeto é feita de forma deformada.
Com a afetividade humana ocorrem prejuízos similares, ocasionados pelas deformações dos significados dos afetosque deixam de sinalizar corretamente as diferentes nuances discriminatórias presentes nas relações. Os indivíduos ficam fragilizados, atordoados, mesmo, para a identificação e discriminação do ataque ou do aconchego, do amigo ou do inimigo, da traição ou da sinceridade, da agressividade da inveja ou do afago amistoso; portanto, expostos às manipulações de uma sociedade muito pouco preocupada com os caminhos dos sentimentos humanos dos homens: a vulnerabilidade humana é explorada em todas as suas determinações.
Por outro lado, os homens necessitam conservar íntegros os seus afetos a fim de que possam expressá-los para se orientar de forma criativa, isto é, dando significados diferenciadores às situações vividas. Se individualizados, sentimentos e emoções seriam colocados a seu serviço, integrando-se à consciência, na qual recebem as representações que irão lhe disponibilizar a narrativa dos episódios do dia a dia. Nessa perspectiva, aos indivíduos seria permitida a diferenciação das situações vivenciadas e eles tornar-se-iam capazes de identificar e reagir diferentemente às distintas situações que a vida cotidiana lhes propõe. A mentira não lhes retiraria a discriminação entre o que lhes faz bem e o que lhes faz mal. Isso só ocorre quando os indivíduos podem usar os indicadores diferenciadores de sua vida afetiva dessa forma criativa e conscientemente integradora. Na contemporaneidade, a expressão dos sentimentos está sob condenação social e, infelizmente, assim vivida pelos indivíduos que vêm se permitindo lhes deixar serem subtraídas essas suas potencialidades diferenciadoras. A linguagem significante dos afetos está corrompida: "é obsceno falar de amor" (Stengel, 2003), tal como é proibido sentir o medo protetor que nos aponta os perigos a serem evitados ou enfrentados, assim como as vivências de perda e dor devem ser sedadas por drogas legais ou ilícitas. A palavra de ordem é a seguinte: não pode haver quebras no afã instantaneista de um prazer sem interrupção no qual a euforia não deve nunca terminar – é proibido ficar triste (Di Loretto, 1997). No entanto, os afetos não estão mortos, mas sim capturados e sob manipulação do mundo da primazia da mercadoria, sob a exploração e exclusão sociais que os homens estão vivendo sob o "capitalismo flexível" (Sennett, 2001). Nele, não existe compromisso com a sobrevivência dos indivíduos que estão compelidos/exigidos para performances que ultrapassam as suas reais possibilidades humanas (Barbarini, 2001) e submetidos, portanto, a viverem sob o manto acobertador e mentiroso da negação desse sofrimento (Dejours, 2000).
O homem não é o ser impotente em que a sociedade o quer transformar, nem o herói que ela lhe outorga ser como substituições do vital que dele retira. É possível aos indivíduos acolher os apelos de vida que brotam de seus desejos e afetos e se valer deles para abandonar o trono no Olimpo no qual vêm sendo obrigados a sentarem. No reino da sabedoria, a humildade e a finitude falam da possibilidade de o homem de nunca se considerar completo e permanecer ativo na procura de novas descobertas a respeito de si e do mundo que o cerca. Afinal, até onde ele poderá continuar vivendo sob o intenso "prazer" do mundo, da luxuria, no qual lhe são expropriados seus desejos e afetos, canalizados de forma sorrateira para os objetos de consumo (Mariotti, 2000)? As promessas são nirvanescas e as tentações demoníacas para uma vida sem limite. Como abandonar as promessas falaciosas desse mundo tentador? Não é fácil desligar-se da onipotência de um inconsciente desejante que fustiga desde dentro para o gozo perene exigido pelo "sentimento oceânico" (Freud, 1948). É essa a força propulsora em que se apóia a sociedade atual, o que se torna o perigoso, pois a insatisfação insaciável não vem servindo de freio para a procura de um gozo mais seguro. A pressão social para que isso não ocorra é muito forte e a tentação dos prazeres sem limites é altamente instigante. Contudo alguns homens e grupos já vêm conseguindo libertar-se desses impedimentos que aprisionam a sua autonomia e integridade subjetivas. Certamente é possível o homem liberar-se das falsas promessas do consumismo, retomar as rédeas de sujeito da cultura e caminhar com os seus parceiros na busca de novas formas de vida.1 Quando? Oxalá seja em breve.
O indivíduo sozinho não consegue mudar esse rumo e precisa do anteparo do outro que o acolha/frustre, que com sua presença lhe dê o sentido de limite e a firmeza da autoridade para continuar. Todos e cada um não podem abrir mão da irreversibilidade da dependência do outro humano, que é tão frágil como eu sou e que precisa do meu afago para que eu e ele saiamos do esconderijo "protetor" da simbiose que nos faz sofrer, ao nos conduzir à assimilação do ethos cultural da contemporaneidade: "vazio" na saturação de prazeres tal como defende Lipowetsky (1983) ou na falácia de um "estilo de vida" tal como proposto por Lowen (1983). A cultura contemporânea não vem dando referenciais protetores ao humano dos homens. Inexiste um ethos caloroso por meio do qual um pudesse debruçar-se sobre o outro em um enlace prazeroso, verdadeiramente humanizador, sob as diferentes nuances em que o amor pode se desdobrar (sublimação, enamoramento, ternura, acolhimento,fraternidade, solidariedade), saída da onipotência narcísica primitiva, do respeito à alteridade e a diferença entre os indivíduos.
A análise da relação entre subjetividade e cultura que está sendo desenvolvida neste texto está respaldada na abordagem psicopolítica de Theodor Adorno, que articula os elementos constitutivos do psiquismo propostos por Freud, a partir de uma perspectiva dialética de relação de cumplicidade entre o indivíduo e o social. Ao entender que leis distintas regem esses dois níveis da vida dos homens – subjetividade e cultura –, torna-se enriquecedor detectar e analisar os liames que integram essas duas instâncias – psicossocial – do ser humano e verificar nelas as suas interpenetrabilidades, sem desconhecer suas especificidades diferenciadoras. Isso significa dizer não lidar com a subjetividade como se ela fosse uma mônada, nem com a sociedade desconhecendo que ela é construída por sujeitos humanos. A ignorância dessa relação muitas vezes resulta em teorias e práticas que sustentam a onipotência individual e/ou acusam/culpabilizam/patologizam o indivíduo, violentando-o mais ainda, tão a gosto da manutenção das mentiras da sociedade contemporânea. Dizendo de forma mais simples: não psicologizar o social nem sociologizar o psíquico.
Essa abordagem da relação subjetividade-cultura proposta por Adorno em sua monumental pesquisa "A Personalidade Autoritária" e seus fundamentos estão sendo usados neste texto como base para analisarmos os tipos de "pseudo-indivíduos" que dão adesão ao arbítrio, porque destruídos internamente (máscara mortuária) e por terem a consciência fragilizada e regredida. Na contemporaneidade, a forma consumista de existir contém o germe do autoritarismo do mercado, na qual a arbitrariedade da violência se expressa de forma camuflada; ela exige a adesão mais ou menos consciente dos indivíduos para poder se manter. É a cumplicidade subjetiva que vem sustentando tanto as formas de violência dos genocídios – tal como nas guerras – ou a violência simbólica escamoteada da vociferação ideológica acolhida/mantida pelos consumidores. A essa relação, Adorno (1986a), em seu texto "Indústria Cultural", designa como sociabilidade autoritária:
A idéia de que o mundo quer ser enganado tornou-se mais verdadeira do que, sem dúvida, jamais pretendeu ser. Não somente os homens caem no logro, como se diz, desde que isso lhe dê uma satisfação por mais fugaz que seja, como também desejam essa impostura que eles próprios entrevêem; esforçam-se por fecharem os olhos e aprovam, numa espécie de auto-desprezo, aquilo que lhes ocorre e do qual sabem por que é fabricado. Sem o confessar, pressentem que suas vidas se lhes tornam intoleráveis tão logo não mais se agarrem a satisfações que na realidade, não o são. (p. 96, itálicos nossos).
Portanto, essas mentiras sob as quais vivemos do que é ser homem e todas as promessas vãs que elas contém trazem em seu bojo distorções difíceis – mas não impossíveis – de serem desveladas por uma ciência como a Psicanálise, se a abordagem de "visão de avestruz" (Caniato, 1999b) não prevalecer, se não forem desconsideradas as afirmativas categóricas de Freud da dimensão social do psiquismo, espalhada em várias de suas obras e, de forma mais concentrada, naquelas consideradas de caráter social como Psicologia de las masas(1948) e El malestar en la cultura (1981). A prática na Psicanálise que se mantiver intimista, negando a heteronomia na estruturação das subjetividades, além de jogar seus clientes-vítimas na violência da culpabilidade (Freud, 1981), estará sendo cúmplice de uma cultura falaciosa, hipócrita, mentirosa e perversa, portanto de um sofrimento dos homens socialmente produzido. Já chegam os marqueteiros da mídia que dominam muito bem o conhecimento psicanalítico e nele se apóiam para melhor manipular os indivíduos incautos e desatenciosos, talvez uma grande maioria, tendo em vista o poder cada vez maior de penetração dos meios de difusão de massa, ao qual Guinsberg (2001) se refere.
Como colaborar para minimizar a ação da mentira facilmente internalizável pelos indivíduos e de efeitos tão perversamente destrutivos nas suas vidas psíquicas como estamos podendo entender? Pior ainda: quando sabemos que a mentira vem ultrapassando o nível da palavra falada/ouvida, quando seus atributos irracionais e perversos vêm desembocando em atitudes disruptivas concretas e observáveis dos indivíduos em suas relações com os demais? Certamente é uma questão desafiadora para nós, os profissionais da Psicologia, que vivemos intensamente esses sofrimentos na prática cotidiana. Talvez devamos pensar um pouco mais de forma contextual, procurando desvelar os significados dos meandros enganosos do status quo no qual vivemos. Enfim, quais os valores sócio-morais que desvirtuam e pervertem as relações afetivas entre os homens na cultura atual, para não mais jogarmos nossos clientes na destrutividade de um "se seu marido lhe traiu, o traia também" (sic). Banalização desrespeitosa e violentadora de dois dos sentimentos mais dolorosos e importantes que envolvem o ser traído: a inveja e o ciúme (Arreguy & Garcia, 2002; Ventura, 1998).
Continuemos pensando: se os afetos não estão integrados à clareza diferenciadora que a consciência lhes pode oferecer, isto é, se o cotidiano está sendo vivido sob restrições da afetividade, facilmente os homens caem nas falsificações sob as quais as mentiras florescem, em especial, não esqueçamos, porque respaldadas por sua transformação em norma social. Quando são internalizadas pela consciência moral de cada um e sancionadas pelas mentes individuais do grupo circundante, passam a ser percebidas e identificadas como originárias do mundo interno dos sujeitos, portanto naturalizadas. Se um do grupo começa a duvidar desses valores, quando vislumbra alternativas outras que não sejam as apresentadas pelo status quo mentiroso e, quando tenta viver diferente, é chamado de "careta" e tem o descrédito dos demais. De fato, alguns estão satisfeitos porque estão lucrando com essa forma de vida e outros, infelizes e insatisfeitos porquanto estão sofrendo, mas calados. Por que não conseguem trazer para si e seu grupo a tarefa de mudar, de sair da farsa de que são "homens felizes"? Por que continuar seguindo essa forma de vida em bando, turba e até mesmo em gangue (Pagman, Simionato & Mena, 2003), deixando que suas leis destrutivas reinem soberanas e enganando-se como estando "felizes/entorpecidos/drogados"? Não há dúvidas de que a dificuldade mais significativa é que tal inversão é de caráter ideológico – indústria cultural – , mas que quando internalizada pelos indivíduos, é decodificada por eles como se próprias fossem, autóctones.
Desse modo, vai-se evidenciando que são profundas as implicações no mundo interno dos sujeitos da perversidade das mentiras na sociedade contemporânea. Fica difundida uma espécie de cultura cujas relações constroem a pseudo-individuação e estandardização do coletivo (Adorno, 1986a; Adorno & Horkheimer, 1985). A ilusão do individualismo de um indivíduo livre e independente logo esbarra nas amarras da equalização autoritária que, de algum modo, emaranha e ata os indivíduos uns aos outros numa teia de relações na qual o modus vivendié o de promessas vãs de felicidade/mentiras. O vínculo inter-relacional é, portanto, o do narcisismo de morte de que nos fala Green (1988)
A Predominância nas Relações Sociais do Caos e do Horror Camuflados
Nesse momento, cabem algumas indagações intrigantes quando nos defrontamos com os estragos nas relações sociais, em que a perda da credibilidade em si e no outro difunde entre os indivíduos. São inúmeras as dificuldades que se interpõem no trânsito entre eles dos seus impulsos desejantes, sentimentos e pensamentos para que possam ser, para todos, referenciais factíveis de discriminação, de julgamento, de avaliação e de decisão de formas seguras para cada um e todos na orientação de suas vidas individuais/coletivas, enquanto sujeitos da cultura. É possível, nesse contexto, que uma consciência crítica desenvolva-se, que os indivíduos ascendam à autonomia exigida para as suas emancipações enquanto sujeitos da cultura, para que eles se tornem verdadeiramente sujeitos sociais? (Adorno, 1986a; Adorno & Horkheimer, 1985).
Como analisamos previamente, do ponto de vista político-cultural, a ordenação social gerada sob o signo das mentiras da sociedade da mercadoria vem produzindo diferentes formas de confusão na organização da vida entre os homens. Torna-se difícil, senão impossível, identificar o certo e o errado que permitiria a discriminação protetora pelos indivíduos que, ao contrário, passam a seguir cegamente os demais sem identificar corretamente a presença/ausência de riscos e perigos, que teriam de ser enfrentados de maneiras distintas.
Ao semear o engano entre os indivíduos, a mentira retira-lhes a possibilidade de discernir o que e a quem obedecer (Dufour, 2001), entre o sabotador e aquele que lhes possa, de fato, garantir uma autoridade protetora, sob a qual possa viver uma disciplina reguladora do coletivo que lhes forneça referenciais de efetivo amparo(Lipowetsky, 1983). O clima angustiante de alerta tornou-se permanente no dia a dia dos homens, iluminado pelas luzes fulgurantes de poderosos foguetes e mísseis, que explodem ao atingir seus alvos humanos. Esses espetáculos inusitados (Kehl, 2002), de beleza estupefaciente, são trazidos pela mídia para dentro das casas das pessoas, simulacro "esplendoroso de fogos de artifício", que encantam ao invés de horrorizar. Embora sob tal opulência e sob a distância (Bauman, 1998a), que a virtualidade da mídia propicia, é essa uma expressão doholocausto atual, um fato verdadeiro de mortandade coletiva. Porém, parece ser melhor permanecer sob o engano e acalentar-se negando o real, ficar com o espetáculo luminoso fulgurante e admiti-lo apenas como virtual. Negar/enganar-se/mentir para si próprio que os homens não estão sendo mortos é melhor do que viver sob a ameaça de tantos "sibilos venenosos"!! (Polo, 2004).
Em seu limite de ocultamento da verdade, a mentira funciona como segredo (Arendt, 1973) e essa é uma das maneiras dos países ricos e poderosos beneficiarem-se para a manutenção de suas hegemonias econômico-política, inclusive sob o domínio absoluto e quase que exclusivo das tecnologias de guerra. Sabido é o empenho dos Estados Unidos em utilizar, sorrateiramente, seu poder junto a entidades internacionais, para lhes garantir a palavra final em questões de interesses mundiais, mesmo que sob o prejuízo de muitos e muitos povos. Essa imposição arbitrária de poder fica escondida, assim como são camufladas as ações bélicas que são justificadas como de combate ao terrorismo (Kornbluh, 2004; Pilger, 2004; Quesada, 2004) e ao narcotráfico, quando já é conhecido que esse país retira volumoso lucro da preparação e do comércio de drogas (Beinstein, 2000; Brie, 2000a, 2000b). A sociedade mundial globalizada está assentada em múltiplas formas de opressão que às vezes se revelam como aviltante cinismo contra os despossuídos. Se não é a iminência de conflitos bélicos, é a explosão de violência entre grupos políticos-raciais antagônicos ou mesmo a violência da miséria em contraste com a opulência da riqueza de poucos que constrange aos que ainda conservam alguma capacidade de indignação. Em qualquer lugar do mundo não se está seguro, e ameaça de uma "explosão criminosa", inclusive de natureza nuclear, acompanha a todos, sem que se possa saber se é real a ameaça ou se é mais uma estratégia maquiavélica de produção do horror – como vem sendo corriqueiro – para deixar as pessoas atônitas e paralisadas. A supremacia da lógica do dinheiro atravessa todas as nações e os homens no mundo estão atrelados a essa,sim, verdadeira rede terrorífica de defesa do lucro, na qual sobra pouco espaço para o humano dos homens (M. F. Castro, 2004 [comunicação pessoal] 21 de abril de 2004). Sob esse emaranhado dissimulado da caça ao dinheiro, efetiva-se a imobilização de homens aparvalhados que, assim enganados, se deixam levar pelo arbítrio do poder instituído para serem melhor controlados, domesticados em nome de um simulacro de proteção social: vigilância e segurança (Caniato & Nascimento, 2006).
Podem-se constatar o clima de suspeição generalizada entre os homens, a exigência de vigilância sobre quem possa burlar essas normas (Abeche, 2003; Caniato & Nascimento, 2006) e a expectativa de poder morrer se for tido como terrorista (Chomsky, 2002). O embuste na sociedade transforma-se na criminalização dos homens (M. F. Castro, 2004 [comunicação pessoal] 21 de abril de 2004; Ciombra, 2001) que estão vivendo/sofrendo na contemporaneidade por, além de pobres e excluídos, serem identificados sob a estereotipia de perigosos. Quem os respeita? Por quem podem ser acreditáveis? Será que só lhes resta o caminho da contravenção das drogas e do crime? Onde buscar vínculos confiáveis que lhes possam prover referenciais de autoridade para lhes garantir uma direção segura (modelo identificatório de ego ideal)? Será que ainda não existem condições objetivas que permitam aos indivíduos chegar a uma clareza de pensamento tal que lhes aponte para onde precisam conduzir as suas vidas e assim poderem se organizar a fim de reverter esse quadro de mórbida passividade? Permanecem cada um e todos nos porões obscuros e regredidos dessa violência cruel internalizada que funciona como impedimento/proibição de testemunhar no diálogo com o outro a sua potência para elevar-se a um pensamento crítico conduzente e a atitudes sujeito-emancipatórias (Adorno, 1995). Muito ao contrário, expostos e fragilizados sob esse caótico espaço cultural, a fragmentação coletiva construída é a da apatia e do conformismo (Chauí, 1993; Martín-Baró, 1987), sob o qual os indivíduos se tornam cúmplices em uma solidão mórbida e, apenas, vinculados pelo ódio e/ou pelo "prazer em lamber as próprias feridas".
Dizendo de outra maneira, os indivíduos, quando enrustidos nessa não-reação, porque amalgamados de forma mais ou menos consciente nessa "mórbida semelhança",2 encaram a hostilidade vivida como sendo natural: é o que Hannah Arendt (2000) designa como "banalidade do mal". A essa banalização agregam-se outras, como ocorre com a "banalização da injustiça social". As quais vão se amalgamando no mundo interno dos já tornados pseudo-indivíduos, potencializando seus atributos corrosivos quando eles atribuem tal descalabro a si próprios. No entender de Dejours (2000), os indivíduos, culpabilizando-se por esses desastres, tornam-se normopatas tal o grau de insensibilidade e negação do sofrimento que desenvolvem. O nível de degradação subjetiva pode chegar ao ponto em que os parâmetros do ser feliz e/ou do sofrer não mais estão separados e discriminados para poderem ser vividos diferentemente pelos indivíduos, confundidos pela "banalização da dor e do sofrimento"(Caniato, 2003). Ao negarem seus próprios sofrimentos pelo seu silenciamento, tornam-se insensíveis à dor alheia.
A grande maioria engana-se, não conseguindo perceber essa inversão perversa do lócus da violência social, porque vive sob a impossibilidade de usar a agressividade como proteção à vida (integração de libido e thânatos) – as pessoas são obrigadas a "amar ao próximo como a si mesmo" (Freud, 1981) e agüentar caladas serem violentadas e, como em um festim coletivo de auto-mutilação, mantêm-se sob:
... a elogiada têmpera para a qual se é educado. Significa pura e simplesmente a indiferença à dor.Aquele que é duro contra si mesmo adquire o direito de sê-lo contra os demais e se vinga da dor que não teve a liberdade de demonstrar que precisou reprimir. Esse mecanismo deve ser conscientizado, da mesma forma que deve ser fomentada uma educação que não mais premie a dor e a capacidade de suportá-la (Adorno, 1986b, p. 39).
Essa espécie de cinismo mórbido consigo próprio que identificamos facilmente em indivíduos e grupos das classes pauperizadas, que vivem sob a extrema penúria da exclusão social, fica claramente evidenciável nas expressões psicossociais dos indivíduos em geral em momentos de maior autoritarismo social pela impregnante/adesão, mesmo que inconsciente, às atribuições de malignidade que lhes são imputadas. Quanto mais exuberantes e clamorosos forem tais apelos, mais evidenciável será essa hostilidade nas atitudes dos indivíduos. Reportando-se à ordenação autoritária produzida pelo fascismo e à adesão dos indivíduos à vociferação do grande tirano, Iray Carone (2004) expressa:
... os discursos de Hitler não escondiam os seus objetivos de dominação, de um lado, e de intenção de extermínio dos judeus, de outro. Objetivos e intenções que foram, a despeito de seu completo irracionalismo, aceitos pelas massas, inclusive a proletária. Pela primeira vez na história a ideologia não apareceu sob camuflagem de interesses totalitários, mas como 'mentira manifesta'. A ideologia fascista foi, como disse Adorno, 'involuntariamente sincera' (p. 36, grifos nossos).
A Ampliação da Malignidade da Mentira sob o Poder do Dinheiro
Enquanto o consumismo continua angariando mais e mais adeptos e distraindo as pessoas para distanciá-las das suas próprias vidas, no novo modelo político neoliberal, o ápice da direção da sociedade está nas mãos do capital financeiro e permanece funcionando sob o que dizem ser democracia, embora ainda estejam outorgados aos Estados os poderes e as funções do executivo, do legislativo e do judiciário. No entanto, o Estado não mais realiza a mediação da relação capital – trabalho, mas, sim, o controle está totalmente subsumido aos agentes financeiros e às grandes corporações industriais. Ao ter-se tornado, apenas, apêndice desse "capitalismo flexível", o Estado vem levando em derrocada os indivíduos-cidadãos, intensificando-se os sofrimentos da exclusão social que são atenuados pela "indústria do entretenimento", a grande máquina da mentira na contemporaneidade (Martin & Schumann, 1999). A fábrica, isto é, a produção de mercadorias, está à matroca do mercado, seguindo as demandas de consumo sempre renováveis (toyotismo). O trabalhador fica à mercê da super competição e, para garantir seu emprego, é-lhe exigido ter competências sempre mutáveis, vivendo sob alto nível de exigências de performance – ser herói – e, necessariamente, tendo de suportar muito sofrimento para manter o emprego (Barbarini, 2001).
Todavia essa parafernália de opressão é invisível, escamoteada, acobertada pela culpabilização individual de cada trabalhador quando ele vislumbra, embaçadamente, o sofrimento e prenuncia a possibilidade de queixar-se para, em seguida, mergulhar nas malhas poderosas do silêncio de sua própria dor – mentir a respeito de si, como exprime Hannah Arendt (2002), de forma categórica e trágica, ao examinar a inconsciência e a persistência destrutiva da mentira:
... a, longo prazo, o resultado mais certo da lavagem cerebral é uma curiosa espécie de cinismo –uma absoluta recusa a acreditar na verdade de qualquer coisa, por mais bem estabelecida que ela possa ser. Em outras palavras, o resultado de uma substituição coerente e total da verdade dos fatos por mentiras não é passarem estas a ser aceitas como verdade, e a verdade ser difamada como mentira, porém um processo de destruição do sentido diante o qual nos orientamos no mundo real- incluindo-se entre os meio mentais para esse fim a categoria de oposição entre verdade e mentira... Esse é o motivo por que a mentira coerente, em termos metafóricos, arranca o chão de sob nossos pés, sem fornecer outra base em que nos postemos (p. 317-318, grifos nossos).
Ao analisar as estratégias utilizadas pelo autoritarismo, enquanto expressão de governos que impõe às sociedades humanas seu poder de forma coercitiva, Hannah Arendt fala dessa difusão oficial da mentira para justificar o arbítrio e a utilização da violência, identificada como legítima quando provém do Estado, para supostamente proteger a nação e seus cidadãos, para manipulá-los. Introduz, ainda, o conceito de "inimigo objetivo" para explicar a estratégia do autoritarismo para persuadir e angariar adeptos para sua arbitrariedade, a qual estigmatiza grupos ou parte da humanidade como portadores do mal. Usando desse dualismo maniqueísta, tais Estados autoritários colocam-se na posição de portadores e defensores do bem perante grupos ou povos que devem ser exterminados, porquanto ameaçadores da humanidade (Arendt, apud Lafer, 1979).
Talvez alguns poucos ainda creiam que as guerras acontecem, principalmente, por motivos políticos e religiosos. Modernamente, andam querendo nos convencer de que os "bem intencionados protetores da humanidade" envolvem-se em guerras para extirpar a ação maligna do terrorismo internacional. Muitos, porém, não ignoram que o carro chefe das guerras é o poder econômico, já que ela é uma rendosa forma de produzir dinheiro – primeira fonte de riqueza do mundo atual –, quer seja para refinar os investimentos no aprimoramento da tecnologia militar, quer seja para a venda de armas, ou até mesmo para sustentar as missões de socorro às populações vitimadas ou no pós-guerra, ou para a reconstrução das cidades destruídas (Chomsky, 2002; Pagman et al., 2003; Pilger, 2004; Polo, 2004).
Bauman (1998a), em seu livro "Modernidade e holocausto", analisa a permanência do holocausto e da barbárie no mundo de hoje, desmontando o mito de que, após "vencido" o fascismo de Hitler, estaríamos vivendo em uma "sociedade civilizada". Por meio do conceito de moralidade técnica, o autor desmonta essa farsa e revela as novas estratégias de encobrimento da crueldade que atravessam a vida dos homens, desde seus locais de trabalho, e que se espraiam pela sua vida em sociedade. Dialogando com Milgram, diz:
... a crueldade não é cometida por indivíduos cruéis mas por homens e mulheres comuns tentando desempenhar bem suas tarefas ordinárias; e por sua descoberta de que a crueldade relaciona-se apenas secundariamente às características individuais dos que a cometem, mas de maneira muito forte mesmo à relação de autoridade e subordinação com nossa estrutura normal e cotidiana de poder e obediência (p. 181, grifos nossos).
Esse estudioso não procura no mercado em si as respostas para os desencontros dos homens na contemporaneidade. Ele examina a deteriorização das relações entre os homens apoiando-se na supremacia datecnologia, que mediatiza as relações sociais, quer seja na parafernália impessoal da organização burocrática nas instituições ou a daquelas outras tecnologias que mantêm os homens à distância dos resultados de suas ações, conseqüentemente, sob o império da eliminação da culpa. Ele diz:
Numa burocracia as preocupações morais dos funcionários são afastadas do enfoque na situação angustiosa dos objetos da ação. São forçosamente desviados em outra direção – a tarefa a realizar e a excelência com a qual é realizada. Não importa tanto como passam e sentem os objetos da ação. Importa, no entanto, o nível de esperteza e eficiência com que o ator executa o que seus superiores ordenaram que executasse (Bauman, 1998b, p. 186-187, grifos nossos).
Além dessa obediência cega às regras que respondem às exigências da gestão empresarial, os espertos administradores passaram a utilizar-se da sofisticação tecnológica para justificar o controle arbitrário sobre os indivíduos. Vejamos: como com a maquinaria, a intencionalidade, o acompanhamento e o controle dos atos humanos não estão mais sob o seu domínio, porque entre o indivíduo e o produto de suas ações interpõe-se a tecnologia. Já não é mais seu cérebro que dá o comando nem suas mãos que executam as tarefas não lhes sendo, portanto, a compreensão da causalidade de seus atos perceptível, pois a técnica o substituiu. Assim, escapa aos indivíduos a compreensão das conseqüências de seus atos. O controle é feito pelo "poder impessoal e anônimo da tecnologia", e o comando fabril aproveita muito bem essa circunstância ao deslocar a moralidade para a técnica, que passa a ser usada como uma poderosa estratégia de manipulação e opressão dos homens. É nesse sentido potencializador do encobrimento que a tecnologia vem sendo aproveitada como um poderoso instrumento de mentira. De fato, como os mais cépticos ou os mais sábios afirmam, é verdade que há uma minoria de homens poderosos que tem permissão social para violentar os demais.
Por outro lado, a manipulação social da distância permitida pela tecnologia e pela burocracia constrói aindiferença moral que oportuniza que a violência se espalhe na ordenação social sem que os homens se dêem conta do processo de mutilação de si e dos vínculos com os seus pares, e, menos ainda, desse sofrimento veiculado socialmente (Caniato & Castro, 2002; Sawaia, 1999). Se focalizamos uma prática corriqueira na atualidade – a de apertar um simples botão que aciona poderosos mísseis, os quais, em poucos minutos, acertarão o alvo matando milhares de homens – a máxima atribuição de responsabilidade que vem sendo dada é a de admitir que houve um "erro técnico"(sic) e quem acionou o botão permanece em paz consigo. Assim diz Bauman (1998b):
quanto maior a distância física e psíquica da vítima, mais fácil era [é] ser cruel... A razão, pela qual a separação da vítima torna a crueldade mais fácil, parece psicologicamente óbvia: o executor é poupado da agonia de testemunhar o resultado de seus atos... O efeito da distância física e puramente psíquica é, portanto, ainda mais aumentado pela natureza coletiva da ação prejudicial... O opressor é membro de um grupo [e esta condição] deve ser vista como um tremendo fator a facilitar os atos de crueldade (p. 182-184, grifos nossos).
Não há dúvida de que a "massa obediente" de indivíduos está vivendo sob o suposto alívio da retirada da responsabilidade moral por seus atos, o que bloqueia nas suas mentes qualquer culpa verdadeira e reparadora.De fato, a crueldade só se agudiza porque conta com a participação dos sujeitos tornados cúmplices, não há duvidas; embora a subserviência desses homens seja um importante acionador dessa cumplicidade. É de causar indignação e até tristeza identificar "a facilidade com que a maioria das pessoas se encaixa no papel que requer crueldade ou pelo menos cegueira moral – bastando que este papel tenha sido devidamente fortalecido e legitimado pela autoridade superior" (Bauman, 1998a, p. 196, grifos nossos). Que cinismo servil é exigido dos homens para despir-se da responsabilidade sobre seus atos! É nesse embuste de si e do outro, nessacumplicidade mórbida, que cada indivíduo banaliza e sustenta a violência social da burocracia e do manejo atual perverso da tecnologia, voltada contra o próprio homem que a criou, certamente com intenções utilitárias de tornar sua "vida mais fácil".
Como recuperar a capacidade dos homens de discernir erros de acertos se esses atributos morais perderam socialmente suas diferenciações intrínsecas e se, cada vez mais, a impunidade alastra-se na sociedade, referendando essa equalização (Caniato, 1999)? Como fazer com que os homens confiem na solidariedade de seus parceiros e se desvencilhem da violência e da desconfiança que penetrou na relação entre eles? Como os homens conseguirão recuperar a integridade de suas potencialidades psicossociais que lhes permita assumir suas funções de sujeitos da cultura?
A Resistência dos Homens à Procura da Verdade Emancipatória
Sintetizando: a violência social, a manipulação do indivíduo, a indústria cultural, a suspeição entre os indivíduos, a vigilância e o controle sociais, a cumplicidade mórbida subjetiva, o esfacelamento das tradições, as banalizações do mal, da injustiça social, do sofrimento e da dor e a confusão nas leis que regem a ordem social são alguns dos atributos da PERVERSIDADE DA MENTIRA que produzem SOFRIMENTO PSÍQUICO e convivem de mãos dadas para destruir a autonomia cultural dos sujeitos. A MENTIRA vem, falsamente, mistificando a MORTE que se espraia no planeta Terra, DISFARÇADA sob formas democráticas de governo, de políticas públicas, ditas equalizadoras, de justiça social e direitos humanos.
Ouçamos o apelo à RESISTÊNCIA na carta, em nome do povo cubano, dirigida por Fidel Castro (2004) ao senhor Bush:
Tudo que se escreve sobre direitos humanos em seu mundo e no de seus aliados que compartilham o saque do planeta, é uma COLOSSAL MENTIRA. Milhares de milhões de seres humanos vivem com fome, sem alimentos suficientes, medicinas, roupas, sapatos, casas, em condições subhumanas, sem os mínimos conhecimentos e suficiente informação para compreender sua tragédia e do mundo que vivem (grifos nossos).
A saída transformadora dessa barbárie e do caos na cultura só existirá se pudermos RESISTIR e sustentar a esperança utópica de uma vida melhor, pois, como diz Hannah Arendt (2002):
a verdade, posto que impotente é sempre perdedora em choque frontal com o poder, possui uma força que lhe é própria: o que quer que possam idear aqueles que detêm o poder, eles são incapazes de descobrir ou excogitar substituto viável para ela. A persuasão e a violência podem destruir a verdade, mas não substituí-la (p. 320, grifos nossos).
Mais animador ainda, embora paradoxalmente sob o risco da própria vida, verificamos no seguinte dizer:
(O)[o]nde todos mentem a cerca de tudo que é importante, aquele que conta a verdade começou a agir; quer o saiba ou não, ele se comprometeu também com os negócios políticos, pois, na improvável eventualidade de que sobreviva, terá dado um primeiro passo para a transformação do mundo (Arendt, 2002, p. 310-311, grifos nossos).
Notas
1 Esse parágrafo está construído com auxílio do conceito de "pensamento reflexivo" de Theodor Adorno e Horkheimer (1985).
2 Fazemos referência ao exame da simbiose e das dificuldades de individuação entre gêmeos idênticos que está narrada no filme "Gêmeos mórbida semelhança" cujo diretor é David Cronenberg.
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Recebido: 30/10/2006
1ª revisão: 17/01/2007
Aceite final: 31/05/2007
1ª revisão: 17/01/2007
Aceite final: 31/05/2007
Angela Caniato é Psicóloga Clínica de base psicanalítica. Endereço para correspondência: Rua Joaquim Nabuco, 1496, Maringá, PR, 87 014-100. ampicani@onda.com.br
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