O
objetivo desta discussão é contribuir com supervisores de ensino, diretores de
escola e professores na importante e urgente tarefa de construir um novo fazer
da ação supervisora. Entendemos que este "novo" se volta no sentido
de que a Escola Pública se qualifique cada vez mais na construção coletiva de
seu projeto político-pedagógico, cuja finalidade é formar no aluno o "novo
cidadão".
O
texto parte do entendimento de que os sistemas de ensino existem como
instrumentos que garantem a continuidade da ação educativa sistematizada e de
que, por isso, todas as suas ações têm como meta possibilitar que as escolas
cumpram suas finalidades.
Iniciamos
este trabalho explicitando o entendimento que temos de "novo cidadão"
e como a Escola se coloca diante da exigência de formá-lo. Destacamos, a
seguir, algumas questões sobre a organização do trabalho no seu interior, tais
como o projeto político-pedagógico, o trabalho coletivo, o conhecimento e as
competências pedagógicas.
Por
fim, discutimos algumas dificuldades e' entraves a serem considerados
Finalidade da Educação Escolar - O "Novo
Cidadão"
Formar
o novo cidadão (o cidadão necessário) no aluno significa formá-lo com
capacidade para ter uma inserção social crítica/transformadora na sociedade em
que vive. Ou seja, a sociedade civilizada, fruto e obra do trabalho humano,
cujo elevado progresso evidencia as riquezas que a condição humana pode
desfrutar, revela-se também uma sociedade contraditória, em que grande parte
dos seres humanos está à margem dessa riqueza, dos benefícios do progresso, da
humanização, enfim. Assim, educar na Escola significa ao mesmo tempo preparar
as crianças e os jovens para se elevarem ao nível da civilização atual - da sua
riqueza e dos seus problemas - para aí atuarem. Isto requer uma preparação
científica, técnica e social.
Por
isso, a finalidade da Escola é possibilitar que os alunos adquiram os
conhecimentos da ciência e da tecnologia, desenvolvam as habilidades para
operá-los, revê-los, transformá-los e redirecioná-los em sociedade e as
atitudes sociais - cooperação, solidariedade, ética -, tendo sempre como
horizonte colocar os avanços da civilização a serviço da humanização da
sociedade.
Tarefa
ampla, complexa e nova!, que requer que as escolas, os sistemas de ensino se direcionem,
se organizem, se equipem para isso; revejam sua organização e se organizem de
um modo novo. Esse novo precisa ser construído a partir do já existente,
pelos atores da Educação - os profissionais, os alunos, as famílias.
Para
chegar à explicitação da nova organização é necessário que a Escola traduza
para si, especifique e detalhe os avanços e os problemas da civilização atual -
a riqueza e a miséria: a fome, a falta de moradia, de trabalho, a violência, a
acumulação, a barbárie etc. Quais desafios a problemática da civilização coloca
para a Escola, a fim de que esta forme o novo cidadão? Como a Escola vai
traduzir no seu e pelo seu trabalho essa problemática? Estas são as questões
fundamentais da nova organização do trabalho na Escola.
As escolas, partícipes
da mesma problemática civilizatória, não são, entretanto, iguais. Por isso, não
se trata de encontrar uma única forma nova de organizar o trabalho nela. É importante
não nos embrenharmos por esse risco apriorístico essencialista de chegar-se a um
modelo universal. Isto não dá conta dos novos problemas atuais. A história da Pedagogia
já o demonstrou. No entanto, a história recente também nos mostra que é possível
definirem-se alguns princípios norteadores para essa organização nova, sobre os
quais já há certo consenso entre os educadores estudiosos do tema. São eles: o
projeto político-pedagógico, o trabalho coletivo e o conhecimento da ciência
pedagógica.
O Projeto Político-Pedagógico
O
projeto político-pedagógico resulta da construção coletiva dos atores da
Educação Escolar. Ele é a tradução que a Escola faz de suas finalidades, a
partir das necessidades que lhe estão colocadas, com o pessoal -
professores/alunos/equipe pedagógica/pais – e com os recursos de que dispõe.
Esses
elementos todos são mutáveis, modificam-se de ano para ano, no mesmo ano; de Escola
para Escola, na mesma Escola.
Por
isso, o projeto não está pronto, mas em construção. Nele, a equipe vai
depurando, explicitando, detalhando a inserção dessa Escola na
transformação social.
O projeto político-pedagógico ganha consistência e
solidez à medida que vai captando sistematicamente a realidade na qual se
insere. Daí ser a realização contínua de diagnósticos dessa realidade um
instrumental importantíssimo nessa construção. Diagnóstico aberto, que não se
cristaliza e que não se encerra na constatação da realidade, mas que a
lê e a Interpreta - o que supõe conhecimento/posicionamento teórico/prático da equipe. Esse trabalho com o diagnóstico - os dados - serão definidor/redefinidor do conteúdo/forma do projeto político-pedagógico da Escola.
O Trabalho Coletivo
O
resultado que a Escola pretende - contribuir para o processo de humanização do
aluno-cidadão consciente de si no mundo, capaz de ler e interpretar o mundo no qual está
e nele inserir-se criticamente para transformá-lo - não se consegue pelo trabalho parcelado e
fragmentado da equipe escolar, mas sim com o trabalho coletivo. Neste há a
contribuição de todos no todo e de todos no de cada um. A especialização de um
não é somada à especialização de outro, mas ela colabora com e se nutre da
especialização do outro, visando a e por causa de finalidades comuns.
O trabalho coletivo tem sido apontado por pesquisadores e estudiosos como o caminho
mais profícuo para o alcance das novas finalidades da Educação Escolar, porque a
natureza do trabalho na Escola -que é a produção do humano - é diferente da natureza do
trabalho em geral na produção de outros produtos.
No entanto, reconhece-se,
de um lado, que o trabalho coletivo não é tarefa simples, uma vez que a
Humanidade, durante séculos e séculos em sua história, acostumou-se a formas de
vida individualistas. De outro lado, o coletivo carrega uma contradição que
precisa ser explorada. Forjada no modo de produção capitalista, a cooperação -
inerente ao coletivo - é, conforme HYPOLITO (1991, p. 18), fundamental para que
o trabalho da Escola se realize de acordo com os objetivos "(...) mas esta
realidade é contraditória, pois se a cooperação pode ser um fator de
estabilidade para o poder, ao mesmo tempo a reunião dos trabalhadores coletivos
possibilita uma unidade de interesses e favorece formas de resistência à
dominação".
Complexidade da Organização Escolar
A(s)
escola(s) é(são) múltipla(s), conjuntos, sistemas - o que requer competências administrativas
para traduzir essa complexidade dos sistemas em benefício ao atendimento da
finalidade que a Escola tem. Contudo, a Escola em si é complexa. A -finalidade
que busca não é simples de ser conseguida. Precisa da contribuição de vários profissionais
especializados - professores/equipe pedagógica/direção/coordenação/orientação/equipe
de apoio. A organização da Escola é competência de todos - dentro e fora da
sala de aula.
A sala de aula é determinada pelo que a circunda para além de
suas paredes - e, em certa medida, interfere para além de suas paredes. Como é
durante a aula que se dá a essência da Educação Escolar, é para ela que devem
convergir as várias competências dos profissionais da Escola - o que não
significa que todos atuarão na sala de aula!; o que não significa,
também, que nela só atuam os professores!; o que não significa, também,
que os professores só atuam ali!; nem que as equipes pedagógicas e de
apoio só atuam fora dali!; nem que aí só elas atuam.
Enfim, a
organização da Escola é coletiva - requer o concurso de especialistas que atuem
coletivamente.
A Ciência Pedagógica - Professores e Pedagogos
Com
SUCHODOLSKI (1979, p. 477), afirmamos que "o conhecimento da ciência
pedagógica é imprescindível, não porque esta contenha diretrizes concretas
válidas para hoje e para amanhã; mas porque permite realizar uma autêntica
análise crítica da cultura pedagógica, o que facilita ao professor debruçar-se
sobre as dificuldades concretas que encontra em seu trabalho, bem como
superá-las de maneira criadora".
Entendendo-a
como não-exclusiva de pedagogos, é possível afirmar que é tarefa da equipe pedagógica
trazer a ciência pedagógica para o trabalho coletivo. Entendendo, ainda, que o coletivo
não significa "todos fazerem a mesma coisa", é possível identificar
competências específicas da equipe pedagógica: a administração e a coordenação
pedagógica de curso, período, turmas, áreas, projetos etc. É interessante
observar que, colocadas nesta seqüência, as tarefas de coordenação evidenciam a
possibilidade de algumas delas serem desempenhadas por pedagogos - coordenação
de curso, de períodos - e outras por professores - coordenação de turmas,
período, áreas. Já a coordenação de projetos não é possível ser estabelecida a
priori; ela depende do projeto.
Traduzindo as Competências da Equipe Pedagógica
Retornando às finalidades da Educação Escolar, explicitadas no item Finalidade da Educação Escolar - O "Novo Cidadão", vamos dizer que o eixo central articulador do trabalho coletivo da equipe escolar é traduzir os conhecimentos, as habilidades e as atividades necessários à formação do novo cidadão. Portanto, a consecução do projeto político-pedagógico precisa ser planejada, organizada, explicitando-se contínua e sistematicamente o quê - os conteúdos do trabalho escolar -, o porquê - a quais necessidades se articulam -, como fazer - projetos, cursos etc. -, quem faz - as responsabilidades, as competências -, quando, como etc. É trabalho para muitos.
Vejamos algumas tarefas pelas quais a equipe pedagógica pode ser responsabilizada:
• coordenar e subsidiar a elaboração dos diagnósticos da realidade escolar nos vários
níveis;
• coordenar e subsidiar a elaboração, execução e avaliação do planejamento: plano da
Escola; planos de cursos, de turmas, de ensino etc.;
• incentivar e prover condições para a elaboração de projetos de alfabetização, leitura,
visitas, estudo de apoio, orientação profissional, saúde e higiene, informática, ética etc.;
• compor turmas e horários, com critérios que favoreçam o ensino e a aprendizagem;
• capacitar em serviço;
• fornecer assistência didático-pedagógica constante;
• assegurar horários para reuniões coletivas, planejá-las, coordená-las, avaliá-las etc.;
• definir claramente, quanto às reuniões com pais, em que a presença destes é
importante na construção do projeto político-pedagógico, traduzindo essa participação;
• promover a articulação orgânica das disciplinas;
• acompanhar o rendimento escolar dos alunos;
• prever formas de suprir possível defasagem no rendimento escolar do aluno;
• propiciar trabalho conjunto por áreas, por séries etc., para analisar, discutir, estudar,
atualizar, aperfeiçoar as questões pertinentes às áreas, às séries e ao processo
ensino-aprendizagem;
• promover a integração de professores novos na Escola;
• pesquisar causas de evasão, repetência e outras.
Enfim, há muito o que fazer. Nesta tentativa de traduzir a competência da equipe pedagógica, fica claramente evidenciado o significado de trabalho coletivo na Escola - não é possível trabalhar fragmentadamente o objeto do trabalho da Escola, não dá e não é desejável estabelecer fronteiras claramente delimitadas sobre o que compete a quem, mas dá para identificar claramente que este trabalho precisa de competências específicas.
Dificuldades e Entraves
Sem pretender esgotá-las, é possível apontar algumas dificuldades para a acentuação
coletiva do projeto político-pedagógico da Escola. Identificar as dificuldades não significa
parar nelas, mas mapeá-las para vermos com clareza as formas de superá-las.
Uma primeira dificuldade refere-se à formação dos profissionais da Escola. Amplamente
analisada como precária - e até inexistente -, a formação também tem sido apontada como
insuficiente, porque não formou o novo profissional para construir o novo.
Não se trata de mandar os profissionais de volta para a Faculdade, nem de esperar que
esta se modifique para fazer "o novo". Trata-se de retomar a Faculdade - os
conhecimentos, a formação que trabalhou - e confrontá-la com as necessidades que o novo
coloca. Aí, garimpar o aproveitável, fortalecê-lo e ampliá-lo, por meio da atualização
-cursos, bibliografia, estudos, troca e crítica de experiências etc.
Uma segunda ordem de dificuldades diz respeito ao institucional/cultural - sociedade
competitiva, eivada de autoritarismo, de individualismo.
Como fazer diferente se somos marcados por isso tudo? Parece-me que não somos pura e
simplesmente a reprodução mecânica do que fizeram conosco. Ou somos?
Outra ordem de dificuldades concerne aos aspectos pessoais: as convicções e ideologias
arraigadas e cristalizadas; o mito do sucesso pessoal a qualquer preço; a timidez, a falta
de arrojo e de coragem para empunhar bandeiras e lutar por elas...
Todas essas dificuldades são passíveis de serem superadas. A realidade de nossas escolas
está mostrando que sim. Mas não sem sofrimento e luta.
Referências Bibliográficas
• citadas no texto:
HYPOLITO, Álvaro Moreira. Processo de trabalho na escola: algumas categorias para análise. Teoria e Educação, Porto Alegre: Palmarinca, n, 4,1991. (Dossié interpretando o trabalho docente.)
SUCHODOLSKI, Bogdan. Tratando de pedagogia. 4. ed. Barcelona: Península, 1979.
• não-citadas no texto, mas que o embasam:
MARQUES, Waldernar. O ensino público estadual de 1,2 grau na Grande São Paulo - o ciclo básico em questão. Dissertação (Mestrado) - UNICAMP, 1991.
PIMENTA, Selma Garrido. O pedagogo na escola pública. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1991.
SCHMIED, Kowarzik W. Pedagogia dialética. São Paulo: Brasiliense, 1983.
SILVA JR., Celestino Alves. Escola pública como local de trabalho. São Paulo: Cortez, 1991.
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