sábado, 28 de abril de 2012

Questões sobre a organização do trabalho na escola - Selma Garrido Pimenta


O objetivo desta discussão é contribuir com supervisores de ensino, diretores de escola e professores na importante e urgente tarefa de construir um novo fazer da ação supervisora. Entendemos que este "novo" se volta no sentido de que a Escola Pública se qualifique cada vez mais na construção coletiva de seu projeto político-pedagógico, cuja finalidade é formar no aluno o "novo cidadão".

O texto parte do entendimento de que os sistemas de ensino existem como instrumentos que garantem a continuidade da ação educativa sistematizada e de que, por isso, todas as suas ações têm como meta possibilitar que as escolas cumpram suas finalidades.

Iniciamos este trabalho explicitando o entendimento que temos de "novo cidadão" e como a Escola se coloca diante da exigência de formá-lo. Destacamos, a seguir, algumas questões sobre a organização do trabalho no seu interior, tais como o projeto político-pedagógico, o trabalho coletivo, o conhecimento e as competências pedagógicas.

Por fim, discutimos algumas dificuldades e' entraves a serem considerados

Finalidade da Educação Escolar - O "Novo Cidadão"

Formar o novo cidadão (o cidadão necessário) no aluno significa formá-lo com capacidade para ter uma inserção social crítica/transformadora na sociedade em que vive. Ou seja, a sociedade civilizada, fruto e obra do trabalho humano, cujo elevado progresso evidencia as riquezas que a condição humana pode desfrutar, revela-se também uma sociedade contraditória, em que grande parte dos seres humanos está à margem dessa riqueza, dos benefícios do progresso, da humanização, enfim. Assim, educar na Escola significa ao mesmo tempo preparar as crianças e os jovens para se elevarem ao nível da civilização atual - da sua riqueza e dos seus problemas - para aí atuarem. Isto requer uma preparação científica, técnica e social.

Por isso, a finalidade da Escola é possibilitar que os alunos adquiram os conhecimentos da ciência e da tecnologia, desenvolvam as habilidades para operá-los, revê-los, transformá-los e redirecioná-los em sociedade e as atitudes sociais - cooperação, solidariedade, ética -, tendo sempre como horizonte colocar os avanços da civilização a serviço da humanização da sociedade.

Tarefa ampla, complexa e nova!, que requer que as escolas, os sistemas de ensino se direcionem, se organizem, se equipem para isso; revejam sua organização e se organizem de um modo novo. Esse novo precisa ser construído a partir do já existente, pelos atores da Educação - os profissionais, os alunos, as famílias.

Para chegar à explicitação da nova organização é necessário que a Escola traduza para si, especifique e detalhe os avanços e os problemas da civilização atual - a riqueza e a miséria: a fome, a falta de moradia, de trabalho, a violência, a acumulação, a barbárie etc. Quais desafios a problemática da civilização coloca para a Escola, a fim de que esta forme o novo cidadão? Como a Escola vai traduzir no seu e pelo seu trabalho essa problemática? Estas são as questões fundamentais da nova organização do trabalho na Escola. 

As escolas, partícipes da mesma problemática civilizatória, não são, entretanto, iguais. Por isso, não se trata de encontrar uma única forma nova de organizar o trabalho nela. É importante não nos embrenharmos por esse risco apriorístico essencialista de chegar-se a um modelo universal. Isto não dá conta dos novos problemas atuais. A história da Pedagogia já o demonstrou. No entanto, a história recente também nos mostra que é possível definirem-se alguns princípios norteadores para essa organização nova, sobre os quais já há certo consenso entre os educadores estudiosos do tema. São eles: o projeto político-pedagógico, o trabalho coletivo e o conhecimento da ciência pedagógica.

O Projeto Político-Pedagógico

O projeto político-pedagógico resulta da construção coletiva dos atores da Educação Escolar. Ele é a tradução que a Escola faz de suas finalidades, a partir das necessidades que lhe estão colocadas, com o pessoal - professores/alunos/equipe pedagógica/pais – e com os recursos de que dispõe.

Esses elementos todos são mutáveis, modificam-se de ano para ano, no mesmo ano; de Escola para Escola, na mesma Escola.

Por isso, o projeto não está pronto, mas em construção. Nele, a equipe vai depurando, explicitando, detalhando a inserção dessa Escola na transformação social. 

O projeto político-pedagógico ganha consistência e solidez à medida que vai captando sistematicamente a realidade na qual se insere. Daí ser a realização contínua de diagnósticos dessa realidade um instrumental importantíssimo nessa construção. Diagnóstico aberto, que não se cristaliza e que não se encerra na constatação da realidade, mas que a lê e a Interpreta - o que supõe conhecimento/posicionamento teórico/prático da equipe. Esse trabalho com o diagnóstico - os dados - serão definidor/redefinidor do conteúdo/forma do projeto político-pedagógico da Escola.

O Trabalho Coletivo

O resultado que a Escola pretende - contribuir para o processo de humanização do
aluno-cidadão consciente de si no mundo, capaz de ler e interpretar o mundo no qual está
e nele inserir-se criticamente para transformá-lo - não se consegue pelo trabalho parcelado e fragmentado da equipe escolar, mas sim com o trabalho coletivo. Neste há a contribuição de todos no todo e de todos no de cada um. A especialização de um não é somada à especialização de outro, mas ela colabora com e se nutre da especialização do outro, visando a e por causa de finalidades comuns.

O trabalho coletivo tem sido apontado por pesquisadores e estudiosos como o caminho
mais profícuo para o alcance das novas finalidades da Educação Escolar, porque a
natureza do trabalho na Escola -que é a produção do humano - é diferente da natureza do
trabalho em geral na produção de outros produtos. 

No entanto, reconhece-se, de um lado, que o trabalho coletivo não é tarefa simples, uma vez que a Humanidade, durante séculos e séculos em sua história, acostumou-se a formas de vida individualistas. De outro lado, o coletivo carrega uma contradição que precisa ser explorada. Forjada no modo de produção capitalista, a cooperação - inerente ao coletivo - é, conforme HYPOLITO (1991, p. 18), fundamental para que o trabalho da Escola se realize de acordo com os objetivos "(...) mas esta realidade é contraditória, pois se a cooperação pode ser um fator de estabilidade para o poder, ao mesmo tempo a reunião dos trabalhadores coletivos possibilita uma unidade de interesses e favorece formas de resistência à dominação".

Complexidade da Organização Escolar

A(s) escola(s) é(são) múltipla(s), conjuntos, sistemas - o que requer competências administrativas para traduzir essa complexidade dos sistemas em benefício ao atendimento da finalidade que a Escola tem. Contudo, a Escola em si é complexa. A -finalidade que busca não é simples de ser conseguida. Precisa da contribuição de vários profissionais especializados - professores/equipe pedagógica/direção/coordenação/orientação/equipe de apoio. A organização da Escola é competência de todos - dentro e fora da sala de aula. 

A sala de aula é determinada pelo que a circunda para além de suas paredes - e, em certa medida, interfere para além de suas paredes. Como é durante a aula que se dá a essência da Educação Escolar, é para ela que devem convergir as várias competências dos profissionais da Escola - o que não significa que todos atuarão na sala de aula!; o que não significa, também, que nela só atuam os professores!; o que não significa, também, que os professores só atuam ali!; nem que as equipes pedagógicas e de apoio só atuam fora dali!; nem que aí só elas atuam. 

Enfim, a organização da Escola é coletiva - requer o concurso de especialistas que atuem coletivamente.


A Ciência Pedagógica - Professores e Pedagogos

Com SUCHODOLSKI (1979, p. 477), afirmamos que "o conhecimento da ciência pedagógica é imprescindível, não porque esta contenha diretrizes concretas válidas para hoje e para amanhã; mas porque permite realizar uma autêntica análise crítica da cultura pedagógica, o que facilita ao professor debruçar-se sobre as dificuldades concretas que encontra em seu trabalho, bem como superá-las de maneira criadora".

Entendendo-a como não-exclusiva de pedagogos, é possível afirmar que é tarefa da equipe pedagógica trazer a ciência pedagógica para o trabalho coletivo. Entendendo, ainda, que o coletivo não significa "todos fazerem a mesma coisa", é possível identificar competências específicas da equipe pedagógica: a administração e a coordenação pedagógica de curso, período, turmas, áreas, projetos etc. É interessante observar que, colocadas nesta seqüência, as tarefas de coordenação evidenciam a possibilidade de algumas delas serem desempenhadas por pedagogos - coordenação de curso, de períodos - e outras por professores - coordenação de turmas, período, áreas. Já a coordenação de projetos não é possível ser estabelecida a priori; ela depende do projeto.

Entendendo, ainda, que os conhecimentos pedagógicos têm sido desenvolvidos explícita, intencional e sistematicamente nos cursos de Pedagogia que formam pedagogos, a presença destes na Escola é imprescindível como forma de trazer os conhecimentos pedagógicos necessários para a Escola. Seja nas tarefas de administração – entendida como organização racional do processo de ensino e garantia da perpetuação deste nos sistemas, de forma a consolidar um projeto político-pedagógico de Educação Escolar -, seja nas tarefas que colaborem com os professores no ato de ensinar de modo que os alunos aprendam.

Traduzindo as Competências da Equipe Pedagógica

Retornando às finalidades da Educação Escolar, explicitadas no item Finalidade da Educação Escolar - O "Novo Cidadão", vamos dizer que o eixo central articulador do trabalho coletivo da equipe escolar é traduzir os conhecimentos, as habilidades e as atividades necessários à formação do novo cidadão. Portanto, a consecução do projeto político-pedagógico precisa ser planejada, organizada, explicitando-se contínua e sistematicamente o quê - os conteúdos do trabalho escolar -, o porquê - a quais necessidades se articulam -, como fazer - projetos, cursos etc. -, quem faz - as responsabilidades, as competências -, quando, como etc. É trabalho para muitos.

Vejamos algumas tarefas pelas quais a equipe pedagógica pode ser responsabilizada:

• coordenar e subsidiar a elaboração dos diagnósticos da realidade escolar nos vários
níveis;
• coordenar e subsidiar a elaboração, execução e avaliação do planejamento: plano da
Escola; planos de cursos, de turmas, de ensino etc.;
• incentivar e prover condições para a elaboração de projetos de alfabetização, leitura,
visitas, estudo de apoio, orientação profissional, saúde e higiene, informática, ética etc.;
• compor turmas e horários, com critérios que favoreçam o ensino e a aprendizagem;
• capacitar em serviço;

• fornecer assistência didático-pedagógica constante;
• assegurar horários para reuniões coletivas, planejá-las, coordená-las, avaliá-las etc.;
• definir claramente, quanto às reuniões com pais, em que a presença destes é
importante na construção do projeto político-pedagógico, traduzindo essa participação;
• promover a articulação orgânica das disciplinas;
• acompanhar o rendimento escolar dos alunos;
• prever formas de suprir possível defasagem no rendimento escolar do aluno;
• propiciar trabalho conjunto por áreas, por séries etc., para analisar, discutir, estudar,
atualizar, aperfeiçoar as questões pertinentes às áreas, às séries e ao processo
ensino-aprendizagem;
• promover a integração de professores novos na Escola;
• pesquisar causas de evasão, repetência e outras.

Enfim, há muito o que fazer. Nesta tentativa de traduzir a competência da equipe pedagógica, fica claramente evidenciado o significado de trabalho coletivo na Escola - não é possível trabalhar fragmentadamente o objeto do trabalho da Escola, não dá e não é desejável estabelecer fronteiras claramente delimitadas sobre o que compete a quem, mas dá para identificar claramente que este trabalho precisa de competências específicas.

Dificuldades e Entraves

Sem pretender esgotá-las, é possível apontar algumas dificuldades para a acentuação
coletiva do projeto político-pedagógico da Escola. Identificar as dificuldades não significa
parar nelas, mas mapeá-las para vermos com clareza as formas de superá-las.

Uma primeira dificuldade refere-se à formação dos profissionais da Escola. Amplamente
analisada como precária - e até inexistente -, a formação também tem sido apontada como
insuficiente, porque não formou o novo profissional para construir o novo.

Não se trata de mandar os profissionais de volta para a Faculdade, nem de esperar que
esta se modifique para fazer "o novo". Trata-se de retomar a Faculdade - os
conhecimentos, a formação que trabalhou - e confrontá-la com as necessidades que o novo
coloca. Aí, garimpar o aproveitável, fortalecê-lo e ampliá-lo, por meio da atualização
-cursos, bibliografia, estudos, troca e crítica de experiências etc.

Uma segunda ordem de dificuldades diz respeito ao institucional/cultural - sociedade
competitiva, eivada de autoritarismo, de individualismo.

Como fazer diferente se somos marcados por isso tudo? Parece-me que não somos pura e
simplesmente a reprodução mecânica do que fizeram conosco. Ou somos?

Outra ordem de dificuldades concerne aos aspectos pessoais: as convicções e ideologias
arraigadas e cristalizadas; o mito do sucesso pessoal a qualquer preço; a timidez, a falta
de arrojo e de coragem para empunhar bandeiras e lutar por elas...

Todas essas dificuldades são passíveis de serem superadas. A realidade de nossas escolas
está mostrando que sim. Mas não sem sofrimento e luta.


Referências Bibliográficas
• citadas no texto:
HYPOLITO, Álvaro Moreira. Processo de trabalho na escola: algumas categorias para análise. Teoria e Educação, Porto Alegre: Palmarinca, n, 4,1991. (Dossié interpretando o trabalho docente.)
SUCHODOLSKI, Bogdan. Tratando de pedagogia. 4. ed. Barcelona: Península, 1979. 
• não-citadas no texto, mas que o embasam:
MARQUES, Waldernar. O ensino público estadual de 1,2 grau na Grande São Paulo - o ciclo básico em questão. Dissertação (Mestrado) - UNICAMP, 1991.
PIMENTA, Selma Garrido. O pedagogo na escola pública. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1991.
SCHMIED, Kowarzik W. Pedagogia dialética. São Paulo: Brasiliense, 1983.
SILVA JR., Celestino Alves. Escola pública como local de trabalho. São Paulo: Cortez, 1991.


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