Nathalia Goulart
Ron Clark e seus alunos: em defesa de
mais cooperação entre pais e professores (Divulgação/Ron Clark Academy)
"Hoje, existe uma preocupação grande com a auto-estima da criança.
Por isso, muitas pessoas se veem obrigadas a dizer aos pequenos que eles
fizeram um ótimo trabalho e que são brilhantes, mesmo quando isso não é
verdade"
O segundo
artigo mais compartilhado em 2011 por usuários americanos do Facebook foi
escrito por um professor, Ron Clark (o primeiro trazia fotos da usina de
Fukushima). Mais de 600.000 pessoas curtiram o texto na rede, escrito a pedido da rede de TV CNN e intitulado
"O que os professores realmente querem dizer aos pais". O artigo
descreve um cenário de guerra, travada entre pais e professores. Na visão de
Clark, os pais vêm transferindo suas responsabilidades para a escola, sem,
contudo, aceitar que seus filhos se submetam de fato às regras da instituição.
Por isso, assim que surge a primeira nota vermelha ou uma advertência, invadem
a sala de aula culpando os professores – a pretexto de preservar a reputação e
o orgulho de seus filhos. "Precisamos estar mais atentos à excelência
acadêmica e menos preocupados com a auto-estima das crianças", diz o
professor, na entrevista concedida a VEJA.com e reproduzida a seguir.
"Essas crianças deixam de aprender que é preciso se esforçar muito para
conseguir bons resultados. No futuro, elas não terão sucesso porque, em nenhum
momento, exigiu-se excelência delas." Clark conhece sua profissão. Aos 39
anos, vinte deles dedicados à carreira, o americano já lecionou na zona rural
da Carolina do Norte, nos subúrbios de Nova York e atualmente comanda uma escola
modelo no estado da Geórgia que oferece treinamento a educadores. Graças à
função, manteve, desde 2007, contato com cerca de 10.000 educadores de diversas
partes do mundo, incluindo brasileiros.
Em seu
artigo, o senhor fala de um ambiente escolar em que pais e professores não se
entendem mais. O que tornou a situação insustentável, como o senhor
descreve?
A
sociedade se transformou. Hoje, vemos pais muito jovens, temos adolescentes que
se veem obrigados a criar uma criança sem ao menos estarem preparados para
isso. São pessoas imaturas. Por outro lado, temos famílias abastadas, em que
pais trabalham fora e são bem-sucedidos profissionalmente. Pela falta de tempo
para lidar com os filhos, empurram toda a responsabilidade da educação para a
escola, mas querem ditar as regras da instituição. Ou seja, eles querem que a
escola eduque, mas não dão autonomia a ela.
Que tipo
de comportamento dos pais irrita os professores?
Acho que o
ponto principal são as desculpas que os pais criam para livrar os filhos das
punições que a escola prevê. Se um aluno tira nota baixa, por exemplo, ou deixa
de entregar um trabalho, os pais vão à escola e descarregam todo tipo de
desculpa: dizem que o filho precisava se divertir, que a escola é muito
rigorosa ou que a criança está passando por um momento difícil. Ou, ainda,
culpam os professores, dizendo que eles não são capazes de ensinar a matéria.
Mas nunca culpam seus próprios filhos. É muito frustrante para os professores
ver que os pais não querem assumir suas responsabilidades.
Problemas
com notas são bastante frequentes?
Sim. Certa
vez tive uma aluna que estava indo mal em matemática. A mãe dela justificou-se
dizendo que, na escola em que a filha estudara antes, ela só tirava boas notas,
sugerindo, assim, que o problema éramos nós, os novos professores.
Infelizmente, essa ideia se instalou na nossa sociedade. Se a nota é boa, o
mérito é do aluno; se é baixa, o problema está com o professor. E quando as
notas ruins surgem, os pais ficam furiosos com os professores. O resultado disso
é que muitos profissionais estão evitando dar nota baixa para não entrar em
rota de colisão com os pais, que nos Estados Unidos chegam a levar advogados
para intimidar a escola.
Os pais
poupam os filhos de lidar com fracassos?
Hoje,
existe uma preocupação grande com a autoestima da criança. Por isso, muitas
pessoas se veem obrigadas a dizer aos pequenos que eles fizeram um ótimo
trabalho e que são brilhantes, mesmo quando isso não é verdade. Essas crianças
deixam de aprender que é preciso se esforçar muito para conseguir bons
resultados. No futuro, elas não terão sucesso porque, em nenhum momento,
exigiu-se excelência delas. Precisamos estar mais atentos à excelência
acadêmica e menos preocupados com a autoestima das crianças.
Que
conselho o senhor dá aos professores?
É possível
evitar que os pais surtem diante de notas ruins e do mau comportamento dos
filhos se for construída uma relação de confiança. Em vez de só procurar
os pais quando as crianças vão mal na escola, oriento que os professores
conversem com os responsáveis também quando a criança vai bem. Na minha escola,
procuro conhecer os pais de todos os meus alunos. Procuro encontrá-los com
frequência e envio cartas a eles com boas notícias. Assim, quando tenho que
dizer que a criança não está rendendo o esperado, eles me darão credibilidade e
confiarão na minha avaliação.
É possível
determinar quando termina a responsabilidade dos pais e começa a da escola?
As duas
partes precisam trabalhar em conjunto. Os pais precisam da escola e a escola
precisa do apoio da família para realizar um bom trabalho. Um conselho que
sempre dou aos pais é que nunca falem mal da instituição de ensino ou do
professor na frente dos filhos. Se a criança ouve os próprios pais desmerecerem
seus mestres, perde o respeito por eles. O contrário também é verdadeiro. Os
professores precisam respeitar os pais, porque eles são parte fundamental na
educação de uma criança.
Em algumas
situações a discussão sobre responsabilidades da família e da escola surge com
muita força. Em casos de bullying, por exemplo, pais e professores trocam
acusações. Sobre quem recai a maior parte da responsabilidade nesses
casos?
A minha
resposta novamente é que precisamos trabalhar em conjunto. Quando o bullying
acontece na escola, é obrigação dos professores intervir imediatamente. Mas
muitos não agem assim porque querem evitar conflitos com os pais. E isso é
muito grave. O bullying está devastando nossas crianças. Precisamos combatê-lo.
Para que os professores tenham liberdade para agir, precisam do apoio dos pais.
Mas você sabe o que acontece? Muitas vezes, quando os pais são chamados na
escola para serem alertados de que seu filho está praticando bullying contra um
colega de classe, o que ouvimos é: "Mas qual o problema disso? Tenho
certeza de que outros colegas também zombam do meu filho e ele não se sente mal
por isso." Mais uma vez, vemos os pais se esquivando da responsabilidade.
A que o
senhor atribui o sucesso do artigo que estourou no Facebook?
Eu escrevi
o que todos os professores tinham vontade de dizer aos pais, mas não podiam
dizer, porque isso os enfureceria. O que eu fiz foi dar voz a milhões de
profissionais. Fiquei sabendo que muitas escolas imprimiram o texto e enviaram
uma cópia a cada família. Na internet, pessoas de outros países também
compartilharam a minha mensagem.
O senhor
criou uma escola modelo, a Ron Clark Academy. Como é a relação de seus
professores com os pais?
Procuramos
estabelecer uma relação próxima. Como eu disse, estamos constantemente em
contato com os pais, nos bons e nos maus momentos. Também promovemos encontros
semanalmente, nos quais ofereço aos pais a oportunidade de assistir a uma aula
na escola, destinada exclusivamente a eles, para que acompanhem o que está
sendo ensinado a seus filhos. Ou seja, trabalhamos muito para conquistar uma
relação harmônica. Não estou dizendo que é fácil lidar com os pais. Alguns
deles podem ser bem malucos.
O senhor,
na sua escola, recebe professores de diversas partes dos Estados Unidos e
tambem de outros países, como o Brasil. Além dos problemas de relacionamento com
os pais, do que mais professores de todo o mundo reclamam?
As
avaliações tiram o sono dos professores. Não sei exatamente como funciona no
Brasil, mas nos Estados Unidos os professores são constantemente cobrados a
melhorar o desempenho de suas escolas em testes padronizados. E todo o processo
educacional passa a girar em torno de algumas provas. Isso é massacrante, para
os alunos e para os professores. Os professores precisam de mais diversão na
sala de aula.
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