sábado, 28 de abril de 2012

O Mestre da Vida

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Escritores da Liberdade

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Como estrelas na Terra

Como Estrelas na Terra é um filme indiano. Como estrelas na terra relata, essencialmente, a história de vida de uma criança com dislexia. Retrata, de forma bastante clara e elucidativa, as emoções do disléxico e as reações familiares, assim como as consequências familiares e sociais.
Este filme é excelente tanto para crianças ou jovens com dislexia, como para os seus pais e educadores. Explica de forma simples o que é dislexia, quais as suas principais características e indica algumas dicas para pais e professores de disléxicos, assim como demonstra o amor incondicional que é fundamental para que estas crianças e jovens sejam bem sucedidos.
Demonstra também o quanto pode ser eficaz o ensino de forma multisensorial, ou seja utilizando todos os sentidos, assim como a utilização da arte como factor motivacional e de crescimento.
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Pro dia nascer feliz - João Jardim

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Questões sobre a organização do trabalho na escola - Selma Garrido Pimenta


O objetivo desta discussão é contribuir com supervisores de ensino, diretores de escola e professores na importante e urgente tarefa de construir um novo fazer da ação supervisora. Entendemos que este "novo" se volta no sentido de que a Escola Pública se qualifique cada vez mais na construção coletiva de seu projeto político-pedagógico, cuja finalidade é formar no aluno o "novo cidadão".

O texto parte do entendimento de que os sistemas de ensino existem como instrumentos que garantem a continuidade da ação educativa sistematizada e de que, por isso, todas as suas ações têm como meta possibilitar que as escolas cumpram suas finalidades.

Iniciamos este trabalho explicitando o entendimento que temos de "novo cidadão" e como a Escola se coloca diante da exigência de formá-lo. Destacamos, a seguir, algumas questões sobre a organização do trabalho no seu interior, tais como o projeto político-pedagógico, o trabalho coletivo, o conhecimento e as competências pedagógicas.

Por fim, discutimos algumas dificuldades e' entraves a serem considerados

Finalidade da Educação Escolar - O "Novo Cidadão"

Formar o novo cidadão (o cidadão necessário) no aluno significa formá-lo com capacidade para ter uma inserção social crítica/transformadora na sociedade em que vive. Ou seja, a sociedade civilizada, fruto e obra do trabalho humano, cujo elevado progresso evidencia as riquezas que a condição humana pode desfrutar, revela-se também uma sociedade contraditória, em que grande parte dos seres humanos está à margem dessa riqueza, dos benefícios do progresso, da humanização, enfim. Assim, educar na Escola significa ao mesmo tempo preparar as crianças e os jovens para se elevarem ao nível da civilização atual - da sua riqueza e dos seus problemas - para aí atuarem. Isto requer uma preparação científica, técnica e social.

Por isso, a finalidade da Escola é possibilitar que os alunos adquiram os conhecimentos da ciência e da tecnologia, desenvolvam as habilidades para operá-los, revê-los, transformá-los e redirecioná-los em sociedade e as atitudes sociais - cooperação, solidariedade, ética -, tendo sempre como horizonte colocar os avanços da civilização a serviço da humanização da sociedade.

Tarefa ampla, complexa e nova!, que requer que as escolas, os sistemas de ensino se direcionem, se organizem, se equipem para isso; revejam sua organização e se organizem de um modo novo. Esse novo precisa ser construído a partir do já existente, pelos atores da Educação - os profissionais, os alunos, as famílias.

Para chegar à explicitação da nova organização é necessário que a Escola traduza para si, especifique e detalhe os avanços e os problemas da civilização atual - a riqueza e a miséria: a fome, a falta de moradia, de trabalho, a violência, a acumulação, a barbárie etc. Quais desafios a problemática da civilização coloca para a Escola, a fim de que esta forme o novo cidadão? Como a Escola vai traduzir no seu e pelo seu trabalho essa problemática? Estas são as questões fundamentais da nova organização do trabalho na Escola. 

As escolas, partícipes da mesma problemática civilizatória, não são, entretanto, iguais. Por isso, não se trata de encontrar uma única forma nova de organizar o trabalho nela. É importante não nos embrenharmos por esse risco apriorístico essencialista de chegar-se a um modelo universal. Isto não dá conta dos novos problemas atuais. A história da Pedagogia já o demonstrou. No entanto, a história recente também nos mostra que é possível definirem-se alguns princípios norteadores para essa organização nova, sobre os quais já há certo consenso entre os educadores estudiosos do tema. São eles: o projeto político-pedagógico, o trabalho coletivo e o conhecimento da ciência pedagógica.

O Projeto Político-Pedagógico

O projeto político-pedagógico resulta da construção coletiva dos atores da Educação Escolar. Ele é a tradução que a Escola faz de suas finalidades, a partir das necessidades que lhe estão colocadas, com o pessoal - professores/alunos/equipe pedagógica/pais – e com os recursos de que dispõe.

Esses elementos todos são mutáveis, modificam-se de ano para ano, no mesmo ano; de Escola para Escola, na mesma Escola.

Por isso, o projeto não está pronto, mas em construção. Nele, a equipe vai depurando, explicitando, detalhando a inserção dessa Escola na transformação social. 

O projeto político-pedagógico ganha consistência e solidez à medida que vai captando sistematicamente a realidade na qual se insere. Daí ser a realização contínua de diagnósticos dessa realidade um instrumental importantíssimo nessa construção. Diagnóstico aberto, que não se cristaliza e que não se encerra na constatação da realidade, mas que a lê e a Interpreta - o que supõe conhecimento/posicionamento teórico/prático da equipe. Esse trabalho com o diagnóstico - os dados - serão definidor/redefinidor do conteúdo/forma do projeto político-pedagógico da Escola.

O Trabalho Coletivo

O resultado que a Escola pretende - contribuir para o processo de humanização do
aluno-cidadão consciente de si no mundo, capaz de ler e interpretar o mundo no qual está
e nele inserir-se criticamente para transformá-lo - não se consegue pelo trabalho parcelado e fragmentado da equipe escolar, mas sim com o trabalho coletivo. Neste há a contribuição de todos no todo e de todos no de cada um. A especialização de um não é somada à especialização de outro, mas ela colabora com e se nutre da especialização do outro, visando a e por causa de finalidades comuns.

O trabalho coletivo tem sido apontado por pesquisadores e estudiosos como o caminho
mais profícuo para o alcance das novas finalidades da Educação Escolar, porque a
natureza do trabalho na Escola -que é a produção do humano - é diferente da natureza do
trabalho em geral na produção de outros produtos. 

No entanto, reconhece-se, de um lado, que o trabalho coletivo não é tarefa simples, uma vez que a Humanidade, durante séculos e séculos em sua história, acostumou-se a formas de vida individualistas. De outro lado, o coletivo carrega uma contradição que precisa ser explorada. Forjada no modo de produção capitalista, a cooperação - inerente ao coletivo - é, conforme HYPOLITO (1991, p. 18), fundamental para que o trabalho da Escola se realize de acordo com os objetivos "(...) mas esta realidade é contraditória, pois se a cooperação pode ser um fator de estabilidade para o poder, ao mesmo tempo a reunião dos trabalhadores coletivos possibilita uma unidade de interesses e favorece formas de resistência à dominação".

Complexidade da Organização Escolar

A(s) escola(s) é(são) múltipla(s), conjuntos, sistemas - o que requer competências administrativas para traduzir essa complexidade dos sistemas em benefício ao atendimento da finalidade que a Escola tem. Contudo, a Escola em si é complexa. A -finalidade que busca não é simples de ser conseguida. Precisa da contribuição de vários profissionais especializados - professores/equipe pedagógica/direção/coordenação/orientação/equipe de apoio. A organização da Escola é competência de todos - dentro e fora da sala de aula. 

A sala de aula é determinada pelo que a circunda para além de suas paredes - e, em certa medida, interfere para além de suas paredes. Como é durante a aula que se dá a essência da Educação Escolar, é para ela que devem convergir as várias competências dos profissionais da Escola - o que não significa que todos atuarão na sala de aula!; o que não significa, também, que nela só atuam os professores!; o que não significa, também, que os professores só atuam ali!; nem que as equipes pedagógicas e de apoio só atuam fora dali!; nem que aí só elas atuam. 

Enfim, a organização da Escola é coletiva - requer o concurso de especialistas que atuem coletivamente.


A Ciência Pedagógica - Professores e Pedagogos

Com SUCHODOLSKI (1979, p. 477), afirmamos que "o conhecimento da ciência pedagógica é imprescindível, não porque esta contenha diretrizes concretas válidas para hoje e para amanhã; mas porque permite realizar uma autêntica análise crítica da cultura pedagógica, o que facilita ao professor debruçar-se sobre as dificuldades concretas que encontra em seu trabalho, bem como superá-las de maneira criadora".

Entendendo-a como não-exclusiva de pedagogos, é possível afirmar que é tarefa da equipe pedagógica trazer a ciência pedagógica para o trabalho coletivo. Entendendo, ainda, que o coletivo não significa "todos fazerem a mesma coisa", é possível identificar competências específicas da equipe pedagógica: a administração e a coordenação pedagógica de curso, período, turmas, áreas, projetos etc. É interessante observar que, colocadas nesta seqüência, as tarefas de coordenação evidenciam a possibilidade de algumas delas serem desempenhadas por pedagogos - coordenação de curso, de períodos - e outras por professores - coordenação de turmas, período, áreas. Já a coordenação de projetos não é possível ser estabelecida a priori; ela depende do projeto.

Entendendo, ainda, que os conhecimentos pedagógicos têm sido desenvolvidos explícita, intencional e sistematicamente nos cursos de Pedagogia que formam pedagogos, a presença destes na Escola é imprescindível como forma de trazer os conhecimentos pedagógicos necessários para a Escola. Seja nas tarefas de administração – entendida como organização racional do processo de ensino e garantia da perpetuação deste nos sistemas, de forma a consolidar um projeto político-pedagógico de Educação Escolar -, seja nas tarefas que colaborem com os professores no ato de ensinar de modo que os alunos aprendam.

Traduzindo as Competências da Equipe Pedagógica

Retornando às finalidades da Educação Escolar, explicitadas no item Finalidade da Educação Escolar - O "Novo Cidadão", vamos dizer que o eixo central articulador do trabalho coletivo da equipe escolar é traduzir os conhecimentos, as habilidades e as atividades necessários à formação do novo cidadão. Portanto, a consecução do projeto político-pedagógico precisa ser planejada, organizada, explicitando-se contínua e sistematicamente o quê - os conteúdos do trabalho escolar -, o porquê - a quais necessidades se articulam -, como fazer - projetos, cursos etc. -, quem faz - as responsabilidades, as competências -, quando, como etc. É trabalho para muitos.

Vejamos algumas tarefas pelas quais a equipe pedagógica pode ser responsabilizada:

• coordenar e subsidiar a elaboração dos diagnósticos da realidade escolar nos vários
níveis;
• coordenar e subsidiar a elaboração, execução e avaliação do planejamento: plano da
Escola; planos de cursos, de turmas, de ensino etc.;
• incentivar e prover condições para a elaboração de projetos de alfabetização, leitura,
visitas, estudo de apoio, orientação profissional, saúde e higiene, informática, ética etc.;
• compor turmas e horários, com critérios que favoreçam o ensino e a aprendizagem;
• capacitar em serviço;

• fornecer assistência didático-pedagógica constante;
• assegurar horários para reuniões coletivas, planejá-las, coordená-las, avaliá-las etc.;
• definir claramente, quanto às reuniões com pais, em que a presença destes é
importante na construção do projeto político-pedagógico, traduzindo essa participação;
• promover a articulação orgânica das disciplinas;
• acompanhar o rendimento escolar dos alunos;
• prever formas de suprir possível defasagem no rendimento escolar do aluno;
• propiciar trabalho conjunto por áreas, por séries etc., para analisar, discutir, estudar,
atualizar, aperfeiçoar as questões pertinentes às áreas, às séries e ao processo
ensino-aprendizagem;
• promover a integração de professores novos na Escola;
• pesquisar causas de evasão, repetência e outras.

Enfim, há muito o que fazer. Nesta tentativa de traduzir a competência da equipe pedagógica, fica claramente evidenciado o significado de trabalho coletivo na Escola - não é possível trabalhar fragmentadamente o objeto do trabalho da Escola, não dá e não é desejável estabelecer fronteiras claramente delimitadas sobre o que compete a quem, mas dá para identificar claramente que este trabalho precisa de competências específicas.

Dificuldades e Entraves

Sem pretender esgotá-las, é possível apontar algumas dificuldades para a acentuação
coletiva do projeto político-pedagógico da Escola. Identificar as dificuldades não significa
parar nelas, mas mapeá-las para vermos com clareza as formas de superá-las.

Uma primeira dificuldade refere-se à formação dos profissionais da Escola. Amplamente
analisada como precária - e até inexistente -, a formação também tem sido apontada como
insuficiente, porque não formou o novo profissional para construir o novo.

Não se trata de mandar os profissionais de volta para a Faculdade, nem de esperar que
esta se modifique para fazer "o novo". Trata-se de retomar a Faculdade - os
conhecimentos, a formação que trabalhou - e confrontá-la com as necessidades que o novo
coloca. Aí, garimpar o aproveitável, fortalecê-lo e ampliá-lo, por meio da atualização
-cursos, bibliografia, estudos, troca e crítica de experiências etc.

Uma segunda ordem de dificuldades diz respeito ao institucional/cultural - sociedade
competitiva, eivada de autoritarismo, de individualismo.

Como fazer diferente se somos marcados por isso tudo? Parece-me que não somos pura e
simplesmente a reprodução mecânica do que fizeram conosco. Ou somos?

Outra ordem de dificuldades concerne aos aspectos pessoais: as convicções e ideologias
arraigadas e cristalizadas; o mito do sucesso pessoal a qualquer preço; a timidez, a falta
de arrojo e de coragem para empunhar bandeiras e lutar por elas...

Todas essas dificuldades são passíveis de serem superadas. A realidade de nossas escolas
está mostrando que sim. Mas não sem sofrimento e luta.


Referências Bibliográficas
• citadas no texto:
HYPOLITO, Álvaro Moreira. Processo de trabalho na escola: algumas categorias para análise. Teoria e Educação, Porto Alegre: Palmarinca, n, 4,1991. (Dossié interpretando o trabalho docente.)
SUCHODOLSKI, Bogdan. Tratando de pedagogia. 4. ed. Barcelona: Península, 1979. 
• não-citadas no texto, mas que o embasam:
MARQUES, Waldernar. O ensino público estadual de 1,2 grau na Grande São Paulo - o ciclo básico em questão. Dissertação (Mestrado) - UNICAMP, 1991.
PIMENTA, Selma Garrido. O pedagogo na escola pública. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1991.
SCHMIED, Kowarzik W. Pedagogia dialética. São Paulo: Brasiliense, 1983.
SILVA JR., Celestino Alves. Escola pública como local de trabalho. São Paulo: Cortez, 1991.


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sexta-feira, 27 de abril de 2012

Novo perfil do professor

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quarta-feira, 25 de abril de 2012

Modelos Pedagógicos & Modelos epistemológicos (Fernando Becker)


     Podemos afirmar que existem três diferentes formas de representar a relação ensino/aprendizagem escolar ou mais especificamente, a sala de aula.  Falaremos, inicialmente, de modelos pedagógicos e, na falta de  terminologia mais atualizada, ou adequada, falaremos em pedagogia diretiva, pedagogia não-diretiva e, talvez criando um novo termo, pedagogia relacional. Mostraremos como tais modelos são, por sua vez, sustentados, cada um deles, por determinada epistemologia.  Epistemologia que se mostrou refratária a toda exuberante crítica da sociologia da educação que se desenvolveu no país, do final dos anos 70 até agora.

a)Pedagogia diretiva e seu pressuposto epistemológico

          Pensemos no primeiro modelo. Para configurá-lo é só entrar numa sala de aula: é pouco provável que a gente se engane. O que encontramos aí?  Um professor que observa seus alunos entrarem na sala, aguardando que se sentem, que fiquem quietos e silenciosos.  As carteiras estão devidamente enfileiradas e suficientemente afastadas uma da outra para evitar que os alunos troquem conversas. Se o silêncio e a quietude não se fizerem logo, o professor gritará para um aluno, xingará outra aluna até que a palavra seja monopólio seu. Quando isto acontecer, ele começará a dar a aula.
     Como é esta aula?  O professor fala e o aluno escuta.  O professor dita e o aluno copia.  O professor decide o que fazer e o aluno executa.  O professor ensina e o aluno aprende.  Se alguém observasse uma sala de aula na década de 60 ou de 50, ou, quem sabe, de dois séculos atrás, diria, provavelmente, a mesma coisa: falaria  como Paulo Freire, no Pedagogia do Oprimido. Por que o professor age assim?  Muitos dirão, porque ele aprendeu que é assim que se ensina. Para mim, esta resposta é correta, mas não é suficiente. Então, por que mais? Penso que o professor age assim porque ele acredita que o conhecimento  pode ser transmitido para o aluno.   Ele acredita no mito da transmissão do conhecimento  - do conhecimento enquanto forma ou estrutura; não só enquanto conteúdo.  O professor  acredita, portanto, numa determinada  epistemologia, isto é, numa “explicação”, ou, melhor, crença da gênese e do desenvolvimento do conhecimento, “explicação” da qual ele não tomou consciência e que, nem por isso, é menos eficaz.  Diz um professor (Becker, 1992): O conhecimento  “se dá à medida que as coisas vão aparecendo e sendo introduzidas por nós nas crianças...”.  Outro professor  diz: O conhecimento  “é transmitidos, sim; através  do meio-ambiente, família, percepções, tudo”.  Outro, ainda: o conhecimento se dá “na medida em que a pessoa é estimulada, ela é perguntada, ela é incitada, ela é questionada , ela é, até, obrigada a dar uma resposta...”.
     Como se configura  esta epistemologia?
     Falemos, como na linguagem epistemológica, em sujeito e objeto.  O sujeito é o elemento conhecedor, o centro do conhecimento.  O objeto é tudo o que o sujeito não é. O que é o não-sujeito? – o mundo onde ele está mergulhado; isto é, o meio físico e/ou social.  Segundo a epistemologia que subjaz à prática desse professor, o indivíduo, ao nascer, nada tem em termos de conhecimentos: é uma folha de papel em branco; uma tábula rasa. É assim o sujeito na visão epistemológica desse professor: uma folha em branco.  Então, de onde vem o seu conhecimento (conteúdo) e a sua capacidade de conhecer (estrutura)? Vem do meio físico e/ou social.  Empirismo é o nome desta  explicação da gênese do desenvolvimento do conhecimento.   Sobre tábula rasa, segundo a qual “não há nada no nosso intelecto que não tenha entrado lá através dos nossos sentidos”, diz Papper (1991): “Essa idéia não é simplesmente errada, mas grosseiramente errada...” (p.160).  Voltemos ao professor na sala de aula.
     O professor considera que seu aluno é tábula rasa somente quando ele nasceu como ser humano, mas frente a um novo conteúdo estocado na sua grade curricular, ou nas gavetas de sua disciplina.  A atitude, nós a conhecemos. O alfabetizador considera que seu aluno nada sabe em termos de leitura e escrita e que ele tem que ensinar tudo.  Mais adiante, frente à aritmética, o professor, novamente, vê seu aluno como alguém que nada sabe sobre somas e subtrações. No segundo grau, numa aula de física, o professor vai tratar seu aluno como alguém sem nenhum saber sobre espaço, tempo, relação causal.  Já na universidade, o professor e matemática olha para seus alunos, no primeiro dia de aula, e “pensa”:  “60% já está reprovado!” Isto porque ele os concebe, não apenas como folha em branco na matemática que ele vai ensinar, mas, por causa da sua concepção epistemológica, como estruturalmente incapazes de assimilar esse saber.
     Como se vê, a ação desse professor não é gratuita.  Ela é legitimada, ou fundada teoricamente, por uma epistemologia.  Segundo esta, o sujeito é totalmente determinado pelo mundo do objeto ou meio físico e social.  Quem representa este mundo, na sala de aula, é, por excelência, o professor.  No seu imaginário, ele, e somente ele, pode produzir algum novo conhecimento no aluno.  O aluno aprende se, e somente se, o professor ensina.  O professor acredita no mito da transferência do conhecimento: o que ele sabe, não importa o nível de abstração ou de formalização, pode ser transferido ou transmitido para o aluno.  Tudo o que o aluno tem a fazer é submeter-se à fala do professor: ficar em silêncio, prestar atenção, ficar quieto e repetir  tantas vezes quantas forem necessárias, escrevendo, lendo, etc... até aderir em sua mente, o que o professor deu.
     Como se vê, esta pedagogia, legitimada pela epistemologia empirista, configura o próprio quadro da reprodução do autoritarismo, da coação, da heteronomia, da subserviência, do silêncio, da morte da crítica, da criatividade, da curiosidade.  Nessa sala de aula, nada de novo acontece; velhas perguntas são respondidas com velhas respostas.  A certeza do futuro está na reprodução pura e simples do passado. A disciplina escolar que tantas vítimas já produziu é exercida com todo rigor, sem nenhum sentimento de culpa, pois há uma epistemologia, uma psicologia (da qual não falamos aqui) e uma pedagogia que a legitimam.  O aluno, egresso dessa escola, será bem recebido no mercado de trabalho, pois aprendeu a silenciar, mesmo discordando, perante a autoridade do professor, a não reivindicar coisa alguma, a submeter-se e a fazer um mundo de coisas sem sentido, sem reclamar.  O produto pedagógico acabado dessa escola é alguém que renunciou ao direito de pensar e que, portanto, desistiu de sua cidadania e do direito ao exercício da política no seu mais pleno significado: qualquer projeto  que vise a alguma transformação social escapa a seu horizonte, pois ele deixou de acreditar que sua ação seja capaz de qualquer mudança.  O cinismo é seu jargão.


b) Pedagogia não-diretiva e seu pressuposto epistemológico

     Pensemos no segundo modelo.  Não é fácil detectar sua presença.  Ela está mais nas concepções pedagógicas e epistemológicas do que na prática porque esta é difícil de viabilizar.  Pensemos, então, como seria a sala de aula de acordo com esse modelo.  O professor é um auxiliar do aluno, um facilitador (Carl Rogers).  O aluno já traz um saber que ele precisa, apenas, trazer à consciência, organizar, ou, ainda, rechear de conteúdo.  O professor deve interferir o mínimo possível.  Qualquer ação que o aluno decida fazer é, a priori, boa, instrutiva.  É o regime do laissez-faire: “deixa fazer” que ele encontrará o seu caminho.  O professor deve policiar-se  para interferir o mínimo possível.  Qualquer semelhança com a “liberdade de mercado” do neo-liberalismo é mais do que coincidência.
     O professor não-diretivo acredita que o aluno aprende por si mesmo.  Ele pode, no máximo auxiliar a aprendizagem do aluno, despertando o conhecimento que já existe no aluno. Ensinar? Nem pensar! Ensinar prejudica o aluno.  Como diz um professor (Becker, 1992): “Ninguém pode transmitir.  É o aluno que aprende”. Outro professor afirma: “Tu não transmite o conhecimento.  Tu oportuniza, propicia, leva a pessoa a conhecer”.  Outro, ainda: “...acho que ninguém pode ensinar ninguém: pode tentar transmitir, pode tentar mostrar... acho que a pessoa aprende praticamente por si...”. Que epistemologia sustenta esta modelo pedagógico?
     A epistemologia que fundamenta essa postura pedagógica é a apriorista. “Apriorismo” vem de a priori, isto é, aquilo que é posto antes como condição do que vem depois. O que é posto antes?  A bagagem hereditária.  Esta epistemologia acredita que o ser humano nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética.  Basta um mínimo de exercício para que se desenvolvam ossos, músculos e nervos e assim a criança passe a postar-se ereta, engatinhar, caminhar, correr, andar de bicicleta... assim também com o conhecimento.  Está tudo previsto.  É suficiente proceder a ações para que tudo aconteça em termos de conhecimento.  A interferência do meio físico ou social – deve ser reduzida ao mínimo.   É só pensar no Emílio de Rousseau ou nas crianças de Summerhill (Snyders, 1974).  As ações espontâneas farão a criança transitar por fases de desenvolvimento , cronologicamente fixas, que são chamadas de “estágios” e que são, freqüentemente, confundidos com os estágios da Epistemologia Genética piagetiana: nesta, os estágios são, ao contrário, cronologicamente, variáveis.  Voltemos ao papel do professor.
     O professor, imbuído de uma epistemologia apriorista – inconsciente, na maioria das vezes – renuncia àquilo que seria a característica fundamental da ação docente: a intervenção no processo de aprendizagem do aluno.  Ora, o poder que é exercido  sem reservas, com legitimidade epistemológica no modelo anterior , é aqui escamoteado.  Ora, a trama de poder, em qualquer  ambiente humano, pode ser disfarçada, mas não eliminada.  Acontece que, na escola, há limites disciplinares intransponíveis.  O que acontece, então, com o pedagogo não diretivo?  Ou ele arranja uma forma mais “subliminar” de exercer o poder ou ele sucumbe.  Freqüentemente, o poder exercido deste modo assume formas mais perversas que na forma explícita do modelo anterior.
     Assim como no regime da “livre iniciativa” ou de “liberdade de mercado” o estado aumenta  seu poder para garantir a continuidade e, até, o aumento dos privilégios da minoria rica utilizando, não a perseguição política, mas a expropriação dos salários e a desmoralização das instituições representativas dos trabalhadores, assim também, por mecanismos indiretos exerce-se, por vezes, numa sala de aula não-diretiva, um poder tão predatório como o da sala de aula diretiva.  Por isso, Celma (1979) afirma que os alunos tinham pavor de sua professora não-diretiva.
     Como vimos, uma pedagogia desse tipo não é gratuita.  Ela tem legitimidade teórica: extrai sua fundamentação da epistemologia apriorista.  O professor parece, no entanto, não tomar consciência disso.  Esta mesma epistemologia, que concebe o ser humano como dotado de um saber “de nascença”, conceberá, também, dependendo das conveniências, um ser humano desprovido  da mesma capacidade, “deficitário”. Este  “déficit”, porém, não tem causa externa: sua origem é hereditária.  Onde se detecta maior incidência de dificuldades ou retardos de aprendizagem? Entre os miseráveis, o mal-nutridos, os pobres, os marginalizados... Está,  aí, a teoria da carência cultural para garantir a interpretação de que marginalização econômico-social e “déficit” cognitivo são sinônimos. A criança marginalizada, entregue a si mesma, numa sala de aula não-diretiva, produzirá, com alta probabilidade, menos, em termos de conhecimento, que uma criança de classe média ou alta.  Trata-se, aqui, de acordo com o apriorismo, de “deficit” herdado: epistemologicamente legitimado,  portanto.


c) Pedagogia relacional e seu pressuposto epistemológico

     O professor e os alunos entram na sala de aula.  O professor traz algum material – algo que, presume, tem significado para os alunos.  Propõe que eles explorem este material  cuja natureza depende do destinatário: crianças de pré-escola, de primeiro grau, de segundo grau, universitário, etc. Esgotada a exploração do material, o professor dirige um determinado número de perguntas, explorando, sistematicamente, diferentes aspectos problemáticos a que o material dá lugar.  Pode solicitar, em seguida, que os alunos representem desenhando, pintando, escrevendo, fazendo cartunismo, teatralizando, etc... o que elaboram.  A partir daí, discute-se a direção, a problemática, o material da(s) próxima(s) aula(s).
     Por que o professor age assim? Porque ele acredita que o aluno só aprenderá alguma coisa, isto é, construirá algum conhecimento novo, se ele agir e problematizar a sua ação. Em outras palavras, ele acredita que há duas condições necessárias para que algum conhecimento novo seja construído: a) que o aluno aja (assimilação) sobre o material que o professor presume que tenha algo de cognitivamente interessante, ou melhor, significativo para o aluno; b) que o aluno responda para si mesmo às perturbações (acomodação) provocadas pela assimilação desse material, ou, que o aluno se aproprie, neste segundo momento, não mais do material, mas dos mecanismos íntimos de suas ações sobre este material; este processo far-se-á por reflexionamento e reflexão (Piaget, 1977), a partir das questões levantadas pelos próprios alunos e das perguntas levantadas pelo professor, e de todos os desdobramentos que daí ocorrerem.  O professor não acredita no ensino em seu sentido convencional ou tradicional, pois não acredita que um conhecimento (conteúdo) e uma condição prévia de conhecimento (estrutura) possa passar, por força do ensino, da cabeça do professor para a cabeça do aluno.  Não acredita na tese de que a mente do aluno é tábula rasa, isto é, que o aluno, frente a um conhecimento novo, seja totalmente ignorante e tenha que aprender tudo da estaca zero, não importa o estágio do desenvolvimento em que se encontre.  Ele acredita que tudo o que o aluno construiu até hoje em sua vida serve de patamar para continuar a construir  e que alguma porta abrir-se-á para o novo conhecimento é só questão de descobri-la; ela a descobre por construção. “Aprender é proceder a uma síntese indefinidamente renovada entre a continuidade e a novidade” (Inhelder et al... 1977 p.263): aprendizagem é, por excelência, construção: ação e tomada de consciência da coordenação das ações, portanto. Professor e aluno determinam-se mutuamente.  Como vemos, a epistemologia deste professor mostra diferenças fundamentais com relação às anteriores.  Como se configura ela?
     O professor tem todo um saber construído, sobretudo numa determinada direção do saber formalizado. Este professor, que age segundo o modelo pedagógico relacional, professa uma epistemologia também relacional.  Ele concebe a criança (o adolescente, o adulto) seu aluno, como tendo uma história de conhecimento já percorrida: a aprendizagem da língua materna é um fenômeno que absolutamente não pode ser subestimado; eu ousaria dizer que a criança que fala uma língua tem condições, respeitado o nível de formalização, de aprender qualquer coisa.  Aliás, o ser humano, ao nascer, não é uma tábula rasa.  Antes, ao contrário, ele traz uma herança biológica que é o oposto da “folha de papel em branco”.  Diz Papper, lembrando que a afirmação de que “nada há no intelecto que não tenha passado primeiramente pelos sentidos é grosseiramente errada:” “Basta que nos lembremos dos dez milhões de neurônios do nosso córtex cerebral, alguns deles (as células piramidais do córtex) cada um com um total estimado em dez mil sinapses” (p.160). Para Piaget, mentor por excelência de uma epistemologia relacional, não se pode exagerar a importância do meio social.
     O que ele rejeita, no entanto, é a crença de que a bagagem hereditária já traz, em si, programados os instrumentos (estruturas) do conhecimento e segundo a qual bastaria o processo de maturação para estes instrumentos manifestarem-se em idades previsíveis, segundo estágios cronologicamente fixos (apriorismo).  Rejeita, de outro lado, que a simples  pressão do meio social sobre o sujeito determinaria nele, mecanimente, as estruturas do conhecer (empirismo). Para Piaget, o conhecimento tem início quando o recém-nascido age assimilando alguma coisa do meio físico ou social.  Este conteúdo assimilado, ao entrar no mundo do sujeito, provoca, aí, perturbações, pois traz consigo algo novo para o qual a estrutura assimiladora não tem instrumento.  Urge, então, que o sujeito refaça seus instrumentos de assimilação em função da novidade.  Este refazer do sujeito sobre si mesmo é a acomodação.  É este movimento, esta ação que refaz o equilibrio perdido: porém, o refaz em outro nível, criando algo novo no sujeito.  Este algo novo fará com que as próximas assimilações sejam diferentes das anteriores, sejam melhores: equilibração majorante, isto é, o novo equilíbrio é mais consistente que o anterior.  O sujeito constrói, daí, construtivismo seu conhecimento em duas dimensões complementares, como conteúdo e como forma e estrutura: como conteúdo ou como condição prévia de assimilação de qualquer conteúdo.
     No mundo interno (endógeno) do sujeito, algo novo foi criado.  Algo que é síntese do que existia, antes, como sujeito originariamente, da bagagem hereditária e do conteúdo que é assimilado do meio social.  O sujeito cria um outro, dentro dele mesmo, que não existia originariamente.  E cria-o por força de sua ação (assimiladora e acomodadora).  A ação do sujeito, portanto, constitui, correlativamente, o objeto e o próprio sujeito.  Sujeito e objeto não existem antes da ação do sujeito.  A consciência não existe antes da ação do sujeito.  Porque a consciência é, segundo Piaget, construída pelo próprio sujeito na medida em que ele se apropria dos mecanismos íntimos de suas ações, ou melhor dito, da coordenação de suas ações.  Este processo construtivo não tem fim e nem começo absoluto.  Ele pode ser aplicado por outro prisma teórico, também de Piaget.  A teoria da abstração reflexionante, uma teoria explicativa que é mais competente que a teoria da equilibração para explicar o que acontece ao nível das trocas simbólicas, ao nível da “manipulação” dos símbolos, das  relações sociais e não só ao nível da manipulação dos objetos do mundo físico com sua gama interminável de aspectos exploráveis.  Deixemos, no entanto, a teoria da abstração já referida acima para outra ocasião (cf. Becker, 1993).
     O professor acredita que seu aluno é capaz de aprender sempre.  Esta capacidade precisa, no entanto, ser vista sob duas dimensões, entre si complementares.  A estrutura, ou condição prévia de todo o aprender, que indica a capacidade lógica do aluno e o conteúdo.  Lembremos que para Piaget (1967) a estrutura é orgânica antes de ser formal. A dinamização ou dialetização do processo de aprendizagem exige, portanto, dupla atenção do professor. O professor, além de ensinar, precisa aprender o que seu aluno já construiu até o momento, condição prévia das aprendizagens futuras. O aluno precisa aprender o que o professor tem a ensinar (conteúdos da cultura formalizada, por exemplo); isto desafiará a  intencionalidade de sua consciência (Freire, 1979) ou provocará um desiquilíbrio (Piaget, 1936:1967) que exigirá do aluno respostas em duas dimensões complementares: em conteúdo e em estrutura.  Para Freire, o professor, além de ensinar, passa a aprender; e o aluno, além de aprender, passa a ensinar.  Nesta relação o professor e alunos avançam no tempo.  As relações de sala de aula, de cristalizadas com toda a dose de monotonia que as caracteriza – passam a ser fluídas.  O professor construirá, a cada dia, a sua docência, dinamizando seu processo de aprender.  Os alunos construirão, a cada dia, a sua discência, ensinando aos colegas e ao professor novas coisas.  Mas o que avança  mesmo neste processo é a condição prévia de todo aprender ou de todo o conhecimento, isto é, a capacidade construída de construir sempre mais e novos conhecimentos.
     A tendência, nessa sala de aula, é a de superar, por um lado, a disciplina policialesca e a figura autoritária do professor que a representa, e, por outro, a de ultrapassar o dogmatismo do conteúdo.  Não se trata de instalar um regímen de anomia (ausência de regras ou leis de convivência) ou do laissez-faire, nem de esvaziar o conteúdo curricular: estas coisas são características do segundo modelo pedagógico com o qual confunde-se, freqüentemente, uma proposta construtivista.  Trata-se, antes, de criticar radicalmente, a disciplina policialesca e construir uma disciplina intelectual ou regras de convivência, o que permite criar um ambiente fecundo de aprendizagem.  Trata-se, também, de recriar cada conhecimento que a humanidade já criou (pois não há outra forma de entender-se a aprendizagem segundo a psicologia genética piagetiana, só se aprende o que é (re)criado para si e, sobretudo, de criar conhecimentos novos: novas respostas para antigas perguntas e novas perguntas refazendo antigas respostas e, não em última análise, respostas novas para perguntas novas.  Trata-se, numa palavra, de construir o mundo que se quer  e não de reproduzir/repetir o mundo que os antepassados construíram para eles ou herdaram de seus antepassados.


     O resultado desta sala de aula é a construção e a descoberta do novo é a criação de uma atitude  de busca e de coragem que esta busca exige. Esta sala de aula não reproduz o passado pelo passado, mas debruça-se sobre o passado porque aí se encontra o embrião do futuro. Vive-se intensamente o presente na medida em que se constrói o futuro buscando no passado sua fecundação.  Dos escombros do passado delineia-se o horizonte do futuro: origina-se, daí, o significado que dá plenitude ao presente. Para quem pensa que estou desenhando um mar de rosas, alerto que para grande número de indivíduos configura-se como extremamente penoso mexer no passado.  Como diz a mãe de um menino de rua: para que vou lembrar o passado se ele não tem nada de bom? Aqui, os conceitos, muito próximos entre si, de tomada de consciência de Piaget e de conscientização de Freire são excepcionalmente fecundos para dialetizar o processo passado-presente-futuro.  A convicção que a epistemologia genética nos traz é a de que este é o caminho para jogar-se para o futuro, para adiantar-se aos acontecimentos.  Para não andar a reboque da história, mas para fazer história, para ser sujeito, portanto.

Considerações finais

          Em nossas pesquisas, ou em observações informais, detectamos o seguinte comportamento: professores que participavam de greve do magistério público estadual ou federal, como “militantes progressistas”, mostrando compreensão, a nível macro, do que acontecia na economia e na política, ao retornar à sala de aula (nível micro), após o término da greve, voltavam a ser  professores plenamente sintonizados com o modelo A. Sua crítica sociológica, freqüentemente lúcida, exercida, via de regra, segundo parâmetros marxistas, mostrava-se incapaz de atingir sua ação docente (prática), nem atingia seu modelo pedagógico (teoria). Por quê?
     Não se desmonta um modelo pedagógico arcaico somente pela crítica sociológica, por mais importante que seja esta.  Segundo nossa hipótese, a desmontagem de um modelo pedagógico só pode ser realizada completamente pela crítica epistemológica.  Em outras palavras, a crítica epistemológica é insubstituível para a superação de práticas pedagógicas fixistas, reprodutivistas, conservadoras, sustentadas pelas epistemologias empirista ou apriorista.  Note-se que estas epistemologias fundam, por um lado, o positivismo e, de forma menos fácil, de mostrar o neo-positivismo, e, por outro, o idealismo ou o racionalismo.
     Pensamos, também, que a formação docente precisa incluir, cada vez mais, a crítica epistemológica.  Nossa pesquisa sobre a epistemologia do professor (Becker, 1992) mostrou o quanto esta crítica está ausente e quanto o seu primitivismo conserva o professor prisioneiro de epistemologias do senso comum, tornando-os incapazes de tomar consciência das amarras que aprisionam seu fazer e seu pensar.
     Pudemos experienciar o quanto de fecundidade teórico-crítica, aliás inesgotável, a epistemologia genética piagetiana possibilita.  O pensamento de Paulo Freire tem mostrado, em alguns momentos, uma fecundidade similar, em termos pedagógicos; mas também em termos epistemológicos (cf. Andreola, 1993).
     Uma proposta pedagógica, dimensionada, pelo futuro que vislumbramos, deve ser construída pelo poder constitutivo e criador da ação humana “é a ação que dá significado as coisas!” Mas não a ação aprisionada:  aprisionada pelo treinamento, pela monotonia mortífera da repetição, pela predatória imposição autoritária. Mas, sim a ação que, num primeiro momento realiza os desejos humanos, suas necessidades e, num segundo momento,  apreende simbolicamente o que aprendeu no primeiro momento: não só assimilação, mas assimilação e acomodação; não só reflexionamento, mas reflexionamento e reflexão; não só ação de primeiro grau , mas ação de primeiro e de segundo graus e de enésimo grau; numa palavra, não só prática , mas prática e teoria.  A acomodação, a reflexão, as ações de segundo grau e a teoria retroagem sobre a assimilação, o reflexionamento, as ações de primeiro grau e a prática, transformando-os.  Poder-se-á, assim, enfrentar o desafio de partir da experiência do educando, recuperando o sentido do processo pedagógico, isto é, recuperando e (re)constituindo o próprio sentido do mundo do educando... e do educador.
     Uma proposta pedagógica relacional visa a sugar o mundo do educando para dentro do mundo conceitual do educador.  Este mundo conceitual do educador sobre perturbações, mais ou menos profundas, com a assimilação deste conteúdo novo.  A alternativa é: responder ou sucumbir.  A resposta abre um mundo novo de criações.  A não resposta condena o professor às velhas fórmulas que descrevemos acima.  A condição para que o professor responda, está, como vimos, numa crítica radical não só de seu modelo pedagógico, mas de sua concepção epistemológica.
     Para enfrentar este desafio, o professor deveria responder, antes, a seguinte questão: que cidadão ele quer que seu aluno seja? Um indivíduo subserviente, dócil, cumpridor de ordens sem perguntar pelo significado das mesmas, ou um indivíduo pensante, crítico, que, perante cada nova encruzilhada prática ou teórica, pára e reflete, perguntando-se pelo significado de suas ações futuras e, progressivamente, das ações do coletivo onde se insere? Esta parece-me, é a pergunta fundamental que permite iniciar o processo de restauração do significado e da construção de um mundo de significações futuras.

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