Nesse segundo post da série "Professores em Rede", temos um texto da publicação eletrônica Hipertexto - universo em expansão. Estarei reproduzindo os textos desta publicação para discutirmos seus diversos assuntos e tecermos considerações sobre eles a partir de reflexões sobre nossa prática. Como todos nós possuímos diferentes formações e trajetórias na carreira, acho importante buscarmos delimitar um espaço de diálogo e debate a fim de saber se estamos nos referindo às mesmas coisas.
Considerações sobre o tempo em que vivemos
Na cultura contemporânea sobrepõe-se linguagens, paradigmas e projetos. Uma trama plural com múltiplos eixos problemáticos. Neste cenário, considerado como o do fim da modernidade, o problema original da sobrevivência, da vida na Terra se coloca de maneira crucial e pungente. Em termos ambientais, no sentido da necessidade da manutenção e implemento do equilíbrio de toda a vida; em termos éticos, face às grandes e imponderáveis desigualdades entre diversos grupos humanos; e existenciais, considerando-se a felicidade e o conhecimento, e a busca de novos termos para a sua frutificação, fora do âmbito restrito do consumo e da sobrevivência material.
"Esse tempo também pode ser entendido como o tempo da criatividade, da generalidade, da restauração dos elementos singulares, do local, dos dilemas, da abertura de novas potencialidades."
Um tempo que se abre para uma consciência crescente da descontinuidade, da não-linearidade, da diferença, da necessidade do diálogo, da polifonia, da complexidade , do acaso, do desvio. Onde há uma avaliação ampla do papel construtivo da desordem, da auto-organização e uma resignificação profunda das idéias de crise e caos, compreendidas mais como informações complexas, do que como simples ausência de ordem.
Mas também, um tempo superficial, fútil, épico e ardente. Onde o cheio provoca o oco, a saciedade gera a angústia, o permanente é trocado pelo atual, o "mais novo", o "mais moderno". Revelando a sua marca primordial: a paradoxalidade. (Morin, 1969)
Enfim, um tempo de transição, de transformação, onde o projeto da modernidade parece ter se cumprido em excesso ou ser insuficiente para solucionar os problemas que assolam a humanidade. Segundo Boaventura de Souza Santos, em seu livro Pela Mão de Alice (1995), vivemos uma condição de perplexidade diante de inúmeros dilemas nos mais diversos campos do saber e do viver. Que, além de serem fonte de angústia e desconforto, são também desafios à imaginação, à criatividade e ao pensamento.
Economia > Na prática econômica, a inflação, o desemprego, as taxas de juros elevadas, o déficit orçamental, a crise financeira do estado-providência, a dívida externa, "o progresso que gera o atraso" com a destruição ambiental e o crescimento das desigualdades, mostram que as propostas de bem-aventurança e prosperidade do projeto moderno, atingidas pelo desenvolvimento técnico e científico, foram incapazes de se cumprir plenamente.
Como reflexo dessa condição, no campo da teoria, há a desvalorização do econômico, em detrimento do cultural e do simbólico, das micro-soluções e da individualidade como focos da reflexão. Morrem as grandes utopias e a história. Cai o muro de Berlim. O homem vai à lua e, o que antes parecia dividido, revela-se: um planeta, uma humanidade, muitos problemas sinergicamente relacionados.
Estado e política > Com a dramática intensificação das práticas transnacionais, da internacionalização da economia, da migração, das redes de informação e comunicação e a conseqüente "transnacionalização" da "lógica do consumismo" o estado passa por um processo de renovação, onde se busca avaliar qual seria o seu papel e viabilidade numa sociedade globalizada. Desponta na sociedade um novo tipo de organização não-estatal para gerir a esfera pública: as organizações não-governamentais.
Global e local > Ainda como conseqüência da intensificação da interdependência transnacional e das interações globais, observa-se que as relações sociais parecem estar cada vez mais desterritorializadas, com os indivíduos se agrupando a partir de interesses afins, como acontece nas comunidades virtuais e nos grandes centros urbanos.
Por outro lado, há também um ressurgimento de novas identidades regionais, geralmente partindo de indivíduos "translocalizados" ou excluídos dos processos sócio-econômicos, fora de seus ambientes e/ou países de origem, que se organizam como micro-identidades, guetos. Segundo, Boaventura de Souza Santos
"A idéia moderna da existência de uma racionalidade global da vida social e pessoal acabou por se desintegrar numa miríade de mini-racionalidades a serviço de uma irracionalidade global, inabarcável e incontrolável. É possível reinventar as mini-racionalidades da vida de modo que elas deixem de ser partes de um todo e passem a ser totalidades presentes em múltiplas partes."
Relações sociais > No que tange às relações entre o indivíduo e a sociedade, observa-se ainda um nítido regresso ao indivíduo, com o desenvolvimento de análises sobre a vida privada, o consumismo, o narcisismo, os modos e estilos de vida. Paradoxalmente, a vida individual nunca foi tão pública, nunca foi tão prontamente devassável e standardizada. De um modo geral, os hábitos e costumes regionais cedem à pressão da optimização econômica, do universo on-line e da cultura de massa.
"Os mesmos canais de comunicação que permitem aos cidadãos, em todo mundo, comunicar uns com os outros também permitem ao governo e aos interesses privados colecionar informações a seu respeito."
Chegamos, assim, ao final do século XX com poucas certezas, muitos problemas e desafios. Completamente perplexos. Mesmo conceitos como o de democracia, que parecem ter sua necessidade e importância reconhecidas entre todos os povos, padecem de conflitos internos e patologias profundas. O processo democrático, por exemplo, um dos grandes paradigmas sócio-políticos da modernidade, apresenta distorções substanciais que se manifestam no aumento do conformismo, do abstencionismo, da apatia política e da distância, cada vez mais nítida, entre eleitores e eleitos.
Desta forma, o projeto da modernidade passa a ser entendido como um processo que contempla imprevisibilidades, múltiplas seqüências e centros, intertextualidades.
A trama do tempo despe-se de sua máscara linear, seqüencial, objetiva e anônima. Seus diversos focos organizam-se, centram-se e recentram-se continuamente onde cada homem (e mulher) é convidado a construir uma narrativa singular do presente. Morre a história como um fluxo linear, unívoco e progressivo de fatos.
Assim, não só as subjetividades e as relações sociais passam a ser construídas dentro de uma perspectiva processual, mas a lógica de auto-eco-organização (Schnitman, 1996) passa a permear todos os campos do saber. Tem-se a impressão que um novo paradigma se delineia. Onde noções de liberdade e autonomia são essenciais e o que importa não é buscar um conhecimento geral, uma teoria unitária, mas estabelecer vínculos, articulações. Refletir sobre a reflexividade.
Sobre todos os aspectos um tempo exigente, muito sério. Que alerta para a responsabilidade e a cooperação, mas que também convida para a liberdade e a alegria.
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